Thursday, October 27, 2005

REGRESSO A MOÇAMBIQUE

9.º dia - 27 de Outubro - BEIRA /CHIMOIO (NOVA IDA À FARME DO CHIBATA)

Depois de acordarmos e tomarmos o “matabicho” (a expressão que no nosso tempo chamavamos ao pequeno-almoço) e abastecermos a viatura, fizemo-nos novamente à estrada de regresso ao Chimoio para, de acordo com o combinado, irmos ao reencontro passados 30 anos dos ex-trabalhadores moçambicanos da farme. Por essa razão, fomos sem passar pelo Chimoio, directos à Estalagem da Selva – muito próximo da farme – onde almoçamos. A estalagem que no tempo de outrora, era propriedade de um amigo nosso, o Sr. Silva e mais tarde do seu filho, António Silva, foi muito bem recuperada e é um dos poucos exemplos que encontramos de melhoria relativamente ao tempo colonial. Depois do almoço, feito na companhia de alguns agricultores zimbabweanos brancos que agora exploram propriedades próximas, da compra de artesanato, do tirar de fotografias e de mais umas filmagens, lá nos dirigimos para o local de encontro.
Cerca de vinte minutos depois, e junto à nova casa do meu irmão, lá estavam eles à nossa espera, Vasco (cozinheiro), Félix (capataz), Alberto (tractorista), e foi debaixo da árvore, como manda a boa tradição africana, que o reencontro se deu. Penso que ficamos todos emocionados, e o diálogo que se seguiu é bem revelador disso mesmo.
Primeiro, eles a quererem saber do “patrão grande” (o nosso pai) e “senhora” (a nossa mãe) e de lhe termos dito que já tinham falecido, a óbvia constatação de que estavamos mais velhos, “patrão pequeno” (meu irmão) está “cocuana” (velho)”, “menino Carlitos (foi sempre assim que me trataram) também já está cocuana”, menino Mané “maningue meculo” (muito alto), e depois do meu irmão lhes ter dado notícias e mostrado fotografias da D. Isabel (minha cunhada), menina Fernanda (minha irmã), sr. Tomé e D. Alice (sogros do meu irmão), menina Cláudia (minha sobrinha), foi a nossa vez de lhes perguntar pelo Saize (que trabalhou com o meu pai durante os 42 anos que este esteve em África) e que soubemos ter morrido há três meses atrás – aqui não pudemos deixar de pensar que estivemos para fazer a viagem em Abril e, nesse caso, ainda o encontraríamos vivo como tanto desejavamos - pelo Soai (filho do Saize), sensivelmente da minha idade, também já falecido, abatido a tiro durante a guerra civil moçambicana.
Depois, quando procuramos saber das suas vidas, do que fazem, a supreendente resposta com a pergunta de “quando o patrão volta” ? (ao que meu irmão respondeu que só tinhamos vindo de férias e da grande alegria que sentíamos por encontrarmos e estar ali com alguns de vocês) e sem que lhe tivessemos dito mais nada, continuaram “xi, no tempo do patrão, a gente comia três vezes por dia, matabicho (pequeno-almoço), almoço e jantar, e agora tem dia que não come nada”, o que nos deixou quase sem fala, não podendo conter o escorrer de algumas lágrimas pela face abaixo.
Depois de lhe entregarmos as roupas, sapatos e outros objectos que lhe levamos de Portugal, de lhe darmos algumas quantias em dinheiro para eles comprarem o que entendessem, foi a altura de tirarmos fotografias juntos, filmar, e ao fim de algumas horas, que parecem ter passado a correr, a despedida emocionada e o fugir depressa dali, por um lado, porque havia a quase certeza de que dificilmente os voltaremos a ver, e por outro, porque estava a tornar-se “asfixiante” e “torturante” mantermo-nos ali a ouvir os seus queixumes, sem que nada pudessemos fazer por eles.

Deste reencontro, a recordação dos momentos de “felicidade mútua” vividos entre nós, como o bem evidenciam as fotografias juntas.


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