Wednesday, October 26, 2005
REGRESSO A MOÇAMBIQUE
8º dia - 26 de Outubro - CHIMOIO / BEIRA
Logo pela manhã deixamos o hotel a caminho da Beira, pela EN 6, em muito bom estado de conservação, salvo na zona dos baixos do rio Púngue devido às cheias que arrancaram literalmente o alcatrão, e depois de uma viagem de pouco mais de 2 horas, atravessando as mesmíssimas localidades do antigamente, Gondola, Amantogas, Inchope, Nhamantada (ex-Vila Machado), Tica, Muda, Dondo, Mafambisse, Manga, chegamos à segunda cidade de Moçambique, a nossa bem conhecida Beira. A primeira impressão é desde logo o elevado estado de degradação da cidade, que pudemos comprovar aquando de uma visita mais demorada que fizemos posteriormente.
No caminho apenas um episódio digno de realce, o de sermos apanhados em excesso de velocidade por uma brigada da Polícia, comprovada pelo aparelho de radar, mas em que depois de uma conversa com os agentes de autoridade e de explicarmos quem éramos, o comandante da brigada virou-se para o seu subordinado que se preparava para nos autuar e disse-lhe com uma sinceridade indisfarçável “então eles vieram de Portugal para ver a terra deles e tu vais multar, não tem multa não senhor, pode ir embora sem problemas” ao que joguei a mão ao bolso e dei-lhes 500.000 Mts, dizendo que era para beberem umas Manicas (cervejas). Episódio revelador da amizade, alegria, e comunhão de sentimentos com que em toda a viagem fomos recebidos pelos moçambicanos !
Depois de tentarmos sem sucesso hospedarmo-nos no Hotel Tivoli (ex-Pensão Alfacinha) no Maquinino, a única unidade hoteleira razoável e por isso completamente lotada, acabamos por encontrar quartos no Hotel Embaixador que se encontra exactamente na mesma como há 30 anos – quando era então um hotel de luxo – e, como é bem de ver, num estado nada recomendável, mas como não havia alternativa e havíamos decidido passar a noite na Beira, que remédio senão aí ficarmos.
Com base em algumas dicas que nos tinham sido dadas, fomos almoçar ao “Pic-Nic” (sim, aquele em frente ao cinema Nacional) que se mantém na posse do mesmo proprietário português do tempo colonial e onde comemos realmente bem. No fim do almoço, e depois de termos obtido o telemóvel, conseguimos chegar à fala com o nosso amigo de infância Rui Basílio, que voltou à Beira e por lá se mantém como gerente de uma firma portuguesa de pesca de camarão, enquanto a sua mulher, a Melita, se encontra à frente do Colégio Académico (escola portuguesa da Beira) que de imediato veio ter conosco ao restaurante. Foi bom, por entre os digestivos, conversar com o Rui, revivendo velhos tempos, a surpresa de ele me tratar por “neguitos” (nem eu próprio me lembrava de há 40/50 anos atrás toda a gente me conhecer assim em Vila Pery, o diminuitivo de negritos por ser bastante moreno) tendo ficado desde logo acertado que à noite jantaríamos com eles.
Findo o almoço, fomos dar uma volta pela cidade, percorrendo os lugares de outrora, Praça do Município, Cafés Capri e Riviera, Bazar, Catedral, Pavilhão da Mocidade Portuguesa, Grande Hotel (impressiona o estado de ruína em que se encontra, inclusivé com árvores a nascer das varandas dos quartos...), Pavilhão Oceânea, Jardim do Bacalhau, Colégio Luís de Camões, Cinema S. Jorge, Praça da Índia, Veleiro (apenas as ruínas, engolido pelo mar), Sporting da Beira, Colégio Maristas, Clube Naútico, Macúti.
Na Beira, tivemos vontade de chorar, porque ao visitá-la tem-se o pesadelo realístico das cidades fantasmas ou arcaicas que aparecem nas ficções do Indiana Jones, o de umas ruínas (a daqueles prédios decadentes) por cima do rio Chiveve, dando a impressão que os cidadãos beirenses foram transferidos de uma cidade moderna e como castigo do destino refugiaram-se em ruínas que outrora foram as de uma cidade belamente desenhada e edificada durante décadas e então dotada de uma gestão municipal a vários títulos exemplar (em que na área central da cidade apenas os arquitectos podiam assinar projectos, seguindo-se áreas onde já assinavam engenheiros, e depois, na periferia, agentes técnicos e desenhadores, onde os processos camarários respectivos incluíam nas telas finais os recibos de pagamento dos técnicos escrupulosamente seguindo as tabelas do MOP e era obrigatória uma minuciosa descrição dos trabalhos e materiais a utilizar e, finalmente, um «Conselho de Estética», renovado de 6 em 6 meses, formado por arquitectos e engenheiros que tudo supervisionava).
Dói ainda para mais saber que isto se deve essencialmente a razões de ordem política – o facto de a cidade e a província de Sofala se manterem como “bastiões eleitorais” da RENAMO – tem provocado como consequência que o poder da FRELIMO afaste deliberadamente da provícia de Sofala e da cidade da Beira quaisquer projectos de investimento e desenvolvimento, concentrando-os nas províncias do sul e na capital Maputo. O último episódio conhecido desta política frelimista de ostracismo à segunda cidade do país, foi a apresentação do projecto de candidatura de Moçambique à organização do CAN - 2010 (Taça das Nações Africanas) em que incrívelmente a Beira foi retirada (em troca, pasme-se, com o Chimoio, onde se construíria um novo estádio de raíz) das cidades que receberiam jogos do torneio.
Neste momento, parece existir uma restea de esperança, com a recente eleição do candidato da Renamo para a autarquia da cidade (Presidente do Conselho Executivo, o mesmo que nosso “Presidente da Câmara”) de Daviz Simango – tido, aliás, como o mais provável sucessor de Dhlakama à frente do “partido da perdiz” (Renamo) - filho do nacionalista moçambicano reverendo Urias Simango, fuzilado após a independência às ordens dos seus antigos camaradas da Frelimo (enterrado em Nachingwia na Tanzânia, em vala comum, conjuntamente com a Joana Simeão e outros nacionalistas moçambicanos que se opunham, sabe-se hoje, à hegenomia sulista - Mondlane, Machel, Chissano - na estrutura dirigente da Frelimo) tendo o próprio ex-Presidente Chissano reconhecido que a Beira é, de momento, o mais dinâmico município do país, apreciação muito generalizada também junto do cidadão comum da cidade e atribuída aos méritos pessoais e políticos de Daviz Simango. Aliás, a resposta que deu ao comité de candidatura ao CAN, onde sem criticar ou lamentar a decisão de exclusão da Beira, se limitou a afirmar estar o município da Beira em condições de construir o estádio e as estruturas hoteleiras necessárias para receber o evento, é bem revelador da sua estatura dirigente, que começa de resto a ser reconhecida na própria “inside” frelimista não conotada com a ala dura do “partido da maçaroca” (Frelimo). Vejamos se esta ascensão do herdeiro do apelido de peso (Simango) que ostenta se concretiza, quanto mais não seja para a possibilidade da construção de uma alternativa de poder e da edificação de um verdadeiro «estado nacional moçabicano».
Depois desta incursão na política moçambicana, resta dizer que completamos a nossa volta pela cidade, aqui e ali umas compras de artesanato e capulanas (a um vendedor de rua, adquiri um excelente CD de música “As Divas da Música Africana-2003” uma excelente miscelânia de grandes intérpretes, como Monique Seca, Miriam Makeba, Tsala Muana, Mory Kante, Khadja Nin, que não me tenho cansado de ouvir) e depois de uma breve passagem pelo hotel, fomos jantar com o Rui e a mulher a um novo restaurante ( no tempo do antigamente era uma pensão de que já não me recordo o nome, sediado no lado esquerdo e logo no início da grande avenida que ligava o S. Jorge à Praça da Índia (a da residência do antigo governador colonial e do actual governador frelimista, aqui ao menos não houve mudanças ...) onde para surpresa se encontrava a jantar o actual Ministro das Obras Públicas de Moçambique, Felício Zacarias, nosso conterrâneo de Vila Pery, e que aliás reconheceu o meu irmão Tomané. Abraços efusivos, as perguntas da praxe, sobre a família, a razão da viagem, num ambiente de grande cordialidade entre um governante moçambicano negro e um português branco que supreendeu os próprios acompanhantes do ministro, brancos nórdicos, bem revelador de uma especial forma de relacionamento que conseguimos cultivar em África.
Depois do jantar, um longo serão em casa do Rui Basílio, uma vez mais recordando tempos passados, a revelação de parte a parte sobre onde se encontram este e aquele dos nossos amigos de infância e juventude de Vila Pery (por todo o lado, de Portugal ao Brasil, Angola, África do Sul, Estados Unidos, etc., etc., partiram para a construção das suas novas vidas pelas “sete partidas do mundo”), mas falando igualmente sobre o futuro de Moçambique e Portugal. Depois deste afectivo serão, as despedidas e a promessa de um breve reencontro em Portugal e o regresso ao hotel para descansarmos de mais estas fartas emoções.
No caminho apenas um episódio digno de realce, o de sermos apanhados em excesso de velocidade por uma brigada da Polícia, comprovada pelo aparelho de radar, mas em que depois de uma conversa com os agentes de autoridade e de explicarmos quem éramos, o comandante da brigada virou-se para o seu subordinado que se preparava para nos autuar e disse-lhe com uma sinceridade indisfarçável “então eles vieram de Portugal para ver a terra deles e tu vais multar, não tem multa não senhor, pode ir embora sem problemas” ao que joguei a mão ao bolso e dei-lhes 500.000 Mts, dizendo que era para beberem umas Manicas (cervejas). Episódio revelador da amizade, alegria, e comunhão de sentimentos com que em toda a viagem fomos recebidos pelos moçambicanos !
Depois de tentarmos sem sucesso hospedarmo-nos no Hotel Tivoli (ex-Pensão Alfacinha) no Maquinino, a única unidade hoteleira razoável e por isso completamente lotada, acabamos por encontrar quartos no Hotel Embaixador que se encontra exactamente na mesma como há 30 anos – quando era então um hotel de luxo – e, como é bem de ver, num estado nada recomendável, mas como não havia alternativa e havíamos decidido passar a noite na Beira, que remédio senão aí ficarmos.
Com base em algumas dicas que nos tinham sido dadas, fomos almoçar ao “Pic-Nic” (sim, aquele em frente ao cinema Nacional) que se mantém na posse do mesmo proprietário português do tempo colonial e onde comemos realmente bem. No fim do almoço, e depois de termos obtido o telemóvel, conseguimos chegar à fala com o nosso amigo de infância Rui Basílio, que voltou à Beira e por lá se mantém como gerente de uma firma portuguesa de pesca de camarão, enquanto a sua mulher, a Melita, se encontra à frente do Colégio Académico (escola portuguesa da Beira) que de imediato veio ter conosco ao restaurante. Foi bom, por entre os digestivos, conversar com o Rui, revivendo velhos tempos, a surpresa de ele me tratar por “neguitos” (nem eu próprio me lembrava de há 40/50 anos atrás toda a gente me conhecer assim em Vila Pery, o diminuitivo de negritos por ser bastante moreno) tendo ficado desde logo acertado que à noite jantaríamos com eles.
Findo o almoço, fomos dar uma volta pela cidade, percorrendo os lugares de outrora, Praça do Município, Cafés Capri e Riviera, Bazar, Catedral, Pavilhão da Mocidade Portuguesa, Grande Hotel (impressiona o estado de ruína em que se encontra, inclusivé com árvores a nascer das varandas dos quartos...), Pavilhão Oceânea, Jardim do Bacalhau, Colégio Luís de Camões, Cinema S. Jorge, Praça da Índia, Veleiro (apenas as ruínas, engolido pelo mar), Sporting da Beira, Colégio Maristas, Clube Naútico, Macúti.
Na Beira, tivemos vontade de chorar, porque ao visitá-la tem-se o pesadelo realístico das cidades fantasmas ou arcaicas que aparecem nas ficções do Indiana Jones, o de umas ruínas (a daqueles prédios decadentes) por cima do rio Chiveve, dando a impressão que os cidadãos beirenses foram transferidos de uma cidade moderna e como castigo do destino refugiaram-se em ruínas que outrora foram as de uma cidade belamente desenhada e edificada durante décadas e então dotada de uma gestão municipal a vários títulos exemplar (em que na área central da cidade apenas os arquitectos podiam assinar projectos, seguindo-se áreas onde já assinavam engenheiros, e depois, na periferia, agentes técnicos e desenhadores, onde os processos camarários respectivos incluíam nas telas finais os recibos de pagamento dos técnicos escrupulosamente seguindo as tabelas do MOP e era obrigatória uma minuciosa descrição dos trabalhos e materiais a utilizar e, finalmente, um «Conselho de Estética», renovado de 6 em 6 meses, formado por arquitectos e engenheiros que tudo supervisionava).
Dói ainda para mais saber que isto se deve essencialmente a razões de ordem política – o facto de a cidade e a província de Sofala se manterem como “bastiões eleitorais” da RENAMO – tem provocado como consequência que o poder da FRELIMO afaste deliberadamente da provícia de Sofala e da cidade da Beira quaisquer projectos de investimento e desenvolvimento, concentrando-os nas províncias do sul e na capital Maputo. O último episódio conhecido desta política frelimista de ostracismo à segunda cidade do país, foi a apresentação do projecto de candidatura de Moçambique à organização do CAN - 2010 (Taça das Nações Africanas) em que incrívelmente a Beira foi retirada (em troca, pasme-se, com o Chimoio, onde se construíria um novo estádio de raíz) das cidades que receberiam jogos do torneio.
Neste momento, parece existir uma restea de esperança, com a recente eleição do candidato da Renamo para a autarquia da cidade (Presidente do Conselho Executivo, o mesmo que nosso “Presidente da Câmara”) de Daviz Simango – tido, aliás, como o mais provável sucessor de Dhlakama à frente do “partido da perdiz” (Renamo) - filho do nacionalista moçambicano reverendo Urias Simango, fuzilado após a independência às ordens dos seus antigos camaradas da Frelimo (enterrado em Nachingwia na Tanzânia, em vala comum, conjuntamente com a Joana Simeão e outros nacionalistas moçambicanos que se opunham, sabe-se hoje, à hegenomia sulista - Mondlane, Machel, Chissano - na estrutura dirigente da Frelimo) tendo o próprio ex-Presidente Chissano reconhecido que a Beira é, de momento, o mais dinâmico município do país, apreciação muito generalizada também junto do cidadão comum da cidade e atribuída aos méritos pessoais e políticos de Daviz Simango. Aliás, a resposta que deu ao comité de candidatura ao CAN, onde sem criticar ou lamentar a decisão de exclusão da Beira, se limitou a afirmar estar o município da Beira em condições de construir o estádio e as estruturas hoteleiras necessárias para receber o evento, é bem revelador da sua estatura dirigente, que começa de resto a ser reconhecida na própria “inside” frelimista não conotada com a ala dura do “partido da maçaroca” (Frelimo). Vejamos se esta ascensão do herdeiro do apelido de peso (Simango) que ostenta se concretiza, quanto mais não seja para a possibilidade da construção de uma alternativa de poder e da edificação de um verdadeiro «estado nacional moçabicano».
Depois desta incursão na política moçambicana, resta dizer que completamos a nossa volta pela cidade, aqui e ali umas compras de artesanato e capulanas (a um vendedor de rua, adquiri um excelente CD de música “As Divas da Música Africana-2003” uma excelente miscelânia de grandes intérpretes, como Monique Seca, Miriam Makeba, Tsala Muana, Mory Kante, Khadja Nin, que não me tenho cansado de ouvir) e depois de uma breve passagem pelo hotel, fomos jantar com o Rui e a mulher a um novo restaurante ( no tempo do antigamente era uma pensão de que já não me recordo o nome, sediado no lado esquerdo e logo no início da grande avenida que ligava o S. Jorge à Praça da Índia (a da residência do antigo governador colonial e do actual governador frelimista, aqui ao menos não houve mudanças ...) onde para surpresa se encontrava a jantar o actual Ministro das Obras Públicas de Moçambique, Felício Zacarias, nosso conterrâneo de Vila Pery, e que aliás reconheceu o meu irmão Tomané. Abraços efusivos, as perguntas da praxe, sobre a família, a razão da viagem, num ambiente de grande cordialidade entre um governante moçambicano negro e um português branco que supreendeu os próprios acompanhantes do ministro, brancos nórdicos, bem revelador de uma especial forma de relacionamento que conseguimos cultivar em África.
Depois do jantar, um longo serão em casa do Rui Basílio, uma vez mais recordando tempos passados, a revelação de parte a parte sobre onde se encontram este e aquele dos nossos amigos de infância e juventude de Vila Pery (por todo o lado, de Portugal ao Brasil, Angola, África do Sul, Estados Unidos, etc., etc., partiram para a construção das suas novas vidas pelas “sete partidas do mundo”), mas falando igualmente sobre o futuro de Moçambique e Portugal. Depois deste afectivo serão, as despedidas e a promessa de um breve reencontro em Portugal e o regresso ao hotel para descansarmos de mais estas fartas emoções.