Saturday, October 01, 2005

Expresso Africa - Os Novos Brancos (10/06/2005)

"Uma pequena cidade agrícola do centro de Moçambique, Chimoio, é hoje um dos lugares mais cosmopolitas do país. O Chimoio tornou-se o refúgio onde centenas de expatriados brancos, «empurrados» do Zimbabwe nos últimos quatro anos pelo Presidente Robert Mugabe, vieram replantar as suas raízes.
«Viemos para ficar», diz Francis Hakings, que todos conhecem como «Ox» e é o líder dos zimbabweanos do Chimoio. A família dele, de origem inglesa, estava há quatro gerações no Zimbabwe. Em Moçambique, esperam não sentir mais uma vez a maldição que às vezes parece ser ter nascido branco em África.
Hakings não foi expulso da sua terra. Mas teve de pagar de repente aos 500 empregados as «indemnizações», como se os tivesse despedido. «No dia seguinte eles apareceram ao trabalho. Nós dissemos-lhes que já não havia dinheiro para continuar», recorda Lizz, mulher de Ox. O clima era demasiado hostil para que decidissem ficar. «Tivemos que procurar um lugar onde pudéssemos continuar a fazer a única coisa que sabíamos fazer». Impedido por Mugabe de passar a fronteira com máquinas e produtos agrícolas, Ox teve de recomeçar do zero. Como os outros zimbabweanos, estabeleceu-se à custa do empréstimo feito pela empresa multinacional de tabaco Damon, que continuava a precisar da sua produção.
Os «zims», como se chamam a si próprios, viveram os primeiros tempos em rulotes e tendas, dando prioridade ao investimento na terra. Mas esta não é gente de ficar parada. Rapidamente se organizaram numa associação de «farmeiros» - nome que já se usava por aqui para os agricultores, e que agora ganhou sentido. Construíram uma escola para que os filhos estudem em inglês, com aulas extras de português. Trouxeram empresas de sementes, de produtos e de máquinas agrícolas atrás. E foi um «zim» que construiu o primeiro matadouro a sério da região.
«Mas esta prosperidade que se vê não tem reflexo nos nossos bolsos», avisa John Wilson. O principal problema dos farmeiros é o financiamento. O baixo preço do tabaco, a que estão agarrados por causa do empréstimo inicial, já não dá lucro suficiente. «Queríamos começar a plantar mangas, papaias, líchias», explica John, que já tirou da Internet informações sobre estas frutas tropicais que podem dar-se maravilhosamente no solo moçambicano. Mas os bancos moçambicanos não emprestam sobre a terra, que, aqui, e por causa da nacionalização, praticamente não tem valor. John alugou a sua terra por cerca de um dólar o hectare. Ele é de uma leva anterior de expatriados, veio em 1980, quando o seu país, que se chamava Rodésia, passou a ser Zimbabwe, em 1980. «Previ o que, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer».
O tempo deu-lhe razão. E também uma nova comunidade, um grupo de gente com o mesmo ofício com quem discutir os assuntos da terra. Não que a John desagrade Moçambique - casou com uma mulher do Chokwe, da qual tem dois filhos pequenos. «Aqui a cor da nossa pele parece não importar. Acho que isso tem a ver com a mentalidade herdada dos portugueses, mais descontraída…», diz. Mas com os seus compatriotas, agricultores de mão cheia, ganhou um novo alento. Arranjou um sócio e está a plantar um campo de proteas (uma flor exótica) para exportar. A produção é apoiada por uma ONG holandesa para o desenvolvimento.
Toda esta agitação sentiu-se na pequena cidade do Chimoio. «Agora até há engarrafamentos», brinca Wilson. Helen Large, a inglesa que tinha, há cerca de cinco anos, uma pequena pensão, a Papaia Cor-de-rosa, acaba de mudar-se para uma casa maior. «Cada vez passam mais estudantes por aqui, de mochila às costas».
Os agricultores do Zimbabwe repuseram Chimoio no mapa. «O que têm eles que os portugueses não tiveram?», indigna-se o moçambicano, descendente de madeirenses, João Betencourt, nascido e criado naquela terra. Nos últimos 30 anos, foi um fura-vidas: quando Samora Machel instituiu os Bilhetes de Identidade montou uma loja de fotografias tipo passe; em 1989, quando percebeu que iam começar a vir livros do estrangeiro, abriu uma livraria; em 1995 montou uma construtora; em 2001, com a liberalização do mercado dos medicamentos, montou uma farmácia.
João está outra vez na crista da onda: vai produzir batatas e, com sorte, fazer uma casa de turismo rural. Com a sua visão estratégica, inusitada numa pequena terra no meio de África, Betencourt aponta o dedo a Portugal, que ainda culpa pela situação que se viveu em Moçambique depois da independência. «No futuro, os países vão destacar-se pela capacidade de globalização. E para isso não é preciso ter colónias. É preciso ter estratégia», afirma."

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