Thursday, September 15, 2005

O REGRESSO AO PASSADO - A minha expulsão do Colégio

O 1.º ano do liceu correu normalmente (inclusivamente, o meu nome constava do “quadro de honra” do colégio) até que no decorrrer do 2.º trimestre do 2.º ano, um episódio determinou a minha expulsão do mesmo.
Visto à distância de passados quase 45 anos, o mínimo que se pode dizer é que parece caricato, mas a verdade é que se passou tal qual como o descrevo a seguir: nós tinhamos aulas da parte da manhã, e depois do almoço regressávamos da parte da tarde ao colégio para o denominado “estudo” onde fazíamos os deveres ou trabalhos de casa.
Uns tempos antes, tinha comprado na Spanos (uma das duas livrarias da Vila onde se vendia o material escolar, a outra era a Salema & Carvalho) para as aulas de desenho um compasso “Kern” (acabado de chegar de Portugal com amplificação e demais apetrechos do “último modelo”) que num certo dia deixei como habitualmente dentro da pasta na sala de aula, no intervalo de almoço entre os períodos da manhã e tarde. Acontece, que ao regressar da parte da tarde para o “estudo” verifiquei que me tinham roubado o estojo “Kern”, pelo que imediatamente dei conta à “irmã Salomé” do sucedido (“irmã” era a designação que tinham as religiosas do colégio, embora houvesse também professoras civis, entre as quais se destacava a professora de francês, conhecida simplesmente como “Madame”, casada com o célebre Sr. Freiria, empregado do Grémio - a gíria porque era conhecido o GRLPMS - Grémio da Lavoura do Planalto de Manica e Sofala - que tinha combatido em França na I Grande Guerra e vindo dela “gaseado” (sob os efeitos dos gases utilizados nessa guerra) e cuja “suprema loucura” era passear pelas ruas da Vila, às 6H30 da manhã, imitando com a busina do carro o som de marchas militares, acordando naturalmente todos os habitantes).
O meu calvário começou aí, pois enquanto eu argumentava que o compasso tinha sido roubado, as irmãs afirmavam que na “casa de Deus” este via tudo e que, portanto, não existiam roubos pelo que eu teria de dizer que o mesmo tinha “desaparecido”. Na ingenuidade dos meus 11 anos mas com a óbvia certeza de que o “Kern” não podia senão ter sido roubado, fui subindo na hierarquia até chegar à madre superiora ( a “mamere” como era designada, sinal evidente da influência francesa no ensino, por decalque do que passava no Portugal Continental, enquanto nós vivíamos ali a dois passos de países de língua e dominação inglesas ... ) perante a qual mantive a minha tese do “roubo” (mais tarde na Faculdade de Direito de Lisboa viria a aprender a diferença entre “furto” e “roubo”).
Diante desta manifestação de forte personalidade juvenil, nada mais lhes restou do que chamar o meu pai, na expectativa natural de que este me demovesse da minha convicção, só com surpresa para as religiosas o “compadre Anhanha” (era assim que o meu pai «Frutuoso Antunes» era conhecido em Vila Pery, e a expressão “anhanha” na língua nativa adjectivava alguém como pessoa “proba”, “recta”, “justa”) corroborou inteiramente perante aquelas, a óbvia e evidente posição do seu filho de 11 anos.
Como consequência, a “fatah religiosa” foi unânime de que nem o filho (nem o pai, qual herege sustentando a posição “não crente” do seu filho) reuniam condições para que o mesmo prosseguisse a sua educação no colégio, o equivalente à decisão da minha expulsão. Era evidente a chantagem exercida, tendo em conta a inexistência de alternativa, pressionando a previsível de retratação por parte de ambos.
Só que a decisão do meu pai foi fulminante, pois diante da madre superiora foi peremptório no sentido de que (e ainda hoje continuo sem saber qual o “timing” da decisão do meu pai, pois parecendo obviamente uma decisão estudada, a verdade é que ele não conhecia minimamente o sentido da decisão das “freiras”) eu iria prosseguir os estudos na Beira, mas que para além disso deixaria também o Colégio o meu irmão Tomané que nada tinha a ver com o assunto. Por uma última vez, a madre superiora tentou a chantagem do “divisionismo”, dizendo que um tinha que sair, mas o outro poderia ficar, mas ficou a falar sózinha, visto que o meu pai nem se lhe dignou responder.
Embora miúdo compreendi nesse momento a mensagem do meu pai (aliás, ela explicou-a ao meu irmão uma vez que este não tendo nada a ver com o assunto, acabava por sofrer consequências da mesma) e que era mais ou menos esta “quando estamos convictos de que temos razão, não devemos transigir perante ninguém, mesmo que isso nos possa trazer consequências negativas” o que corresponde a um “valor” que me tem acompanhado toda a vida.
Vi-me, assim, conjuntamente com o meu irmão, constrangido a ir para um colégio interno na Beira (apenas a 200 Kms de distância, mas que eram naquela época em Moçambique a distância de “um outro mundo”) a abandonar os meus pais, irmã, tios, primos, enfim toda a grande e pioneira “família Antunes”, mas também os únicos colegas e amigos que tinha conhecido até essa altura. Foi um “corte abrupto” à minha feliz infância” em Vila Pery !

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