Wednesday, September 28, 2005


Trabalhadoras negras moçambicanas manafacturando tabaco numa "farmer" de um zimbabweano branco no Chimoio - que diferença para os trabalhadores negros moçambicanos que trabalhavam para os agricultores portugueses brancos de Vila Pery ( com a excepção de que estes não assalariavam "mulheres" como agora o fazem os novos brancos do Chimoio, como se pode ver pela fotografia)

Sunday, September 25, 2005

"FORÇAS DA TERRA" VISÃO 13 Mai. 2004

" O Zimbabué fechou-lhes a porta, mas Moçambique abriu-lhes uma janela de oportunidades. Não exigem muito: só espaço para cultivar e algumas ajudas financeiras para recomeçar a vida. Em dois anos, os agricultores brancos zimbabuanos desbravaram milhares de hectares de terras virgens e criaram quase cem empresas e 4 mil novos postos de trabalho na província moçambicana de Manica
São como as árvores com que vivem: mal são arrancados do chão, criam logo raízes noutro lugar com a força que lhes resta. Não importa o que têm de passar até voltarem a frutificar. Orgulham-se de ultrapassar tempos difíceis. São forças vivas da natureza e sem terra não sabem viver. Os reveses da vida em África não os assustam. Onde quer que estejam, serão africanos.
São assim os agricultores brancos, que o Zimbabué (a antiga colónia britânica da Rodésia do Sul) expulsou e Moçambique acolheu – em particular a província de Manica, separada do país vizinho pela montanha Vumba. Ali, fala-se o mesmo dialecto que do outro lado da montanha, o clima é igual e as terras ainda mais férteis, já que estão pouco exploradas ou mesmo virgens. A mão-de-obra é mais cara, mesmo não possuindo formação. Mas esse obstáculo é compensado pela motivação dos trabalhadores, ávidos de um emprego estável e de uma forma de sustentar as famílias. Coisa que a grande maioria nunca teve, mesmo depois do fim da guerra civil, há mais de dez anos.
Os zimbabuanos que assim pensaram meteram nos carros os escassos haveres e, sozinhos ou com famílias e cães, atravessaram a fronteira.
Começar do zero
Os primeiros chegaram em 2001. David, 38 anos, foi um deles. Veio sozinho, obteve do Governo moçambicano concessão de terra, apoios financeiros e recomeçou a vida. Esperou oito meses pela posse da terra. Durante um ano, dormiu numa tenda, a cozinhar e a tomar banho ao ar livre. Decidiu-se por Moçambique há dois anos e meio porque «estava perto da África do Sul, um mercado importante, e um país onde tem parte da família». Por outro lado, «tinha rápido acesso ao porto da Beira, e assim mais facilidade em escoar os produtos», explica, na fazenda situada a escassos quilómetros do Chimoio, capital da província de Manica.
Em Julho de 2002, David começou a cavar a primeira parcela de terra. De então para cá investiu 400 mil dólares. Cultivou tabaco, milho e um pouco de girassol. Um ano depois, com as plantas já crescidas e um furo de água na fazenda, foi buscar a família: a mulher Marty, de 28 anos, os dois filhos pequenos e os sogros, Peter e Anna. Os cães juntaram-se ao rafeiro moçambicano que, segundo ele, o «adoptou» nos seus tempos de solidão. Ainda tentou «passar uns tractores» na fronteira com a África do Sul. «Mas não conseguimos», remata.
Foi no alpendre da parte da casa de família, construída recentemente e rodeada de árvores de ramagens fartas que encontrámos Marty a ler um livro, com os filhos, de 3 e 2 anos, rodeados de brinquedos, e os pais. David, apesar de ser sábado, está a trabalhar. Os homens trepam, sob a sua supervisão, pelas estruturas de madeira, em frente da casa, para pendurar as folhas de tabaco. É um homem simpático e de sorriso fácil, que não esconde um passado difícil.
Quando ali chegaram, nas caravanas, sem água canalizada nem luz, foram imediatamente atacados pela malária. «Tudo era muito primitivo. Sofremos todos muito com isso», conta Marty. Mas essas dificuldades não impedem uma certeza: «Não queremos voltar mais para o Zimbabué. O nosso futuro é aqui.»
E acrescenta: «É esta a postura da maior parte das famílias de zimbabuanos.»
É certo que no Zimbabué, recorda David, «tínhamos tudo: casa, bons hospitais, escolas, estradas, electricidade, água canalizada, uma comunidade organizada de agricultores e todas as infra-estruturas de comercialização, transformação e transporte de produtos a funcionar. Para lá de uma vida de cidade para o fim-de-semana e até infra-estruturas desportivas para os tempos de lazer.» Além de uma história familiar com raízes naquele país. Os primeiros membros da família de Marty chegaram ao Zimbabué em 1890. Mas, agora, «os problemas que teríamos lá não têm solução». A confiança é total: «Em Moçambique podemos realizar-nos. O país está a crescer e as condições vão melhorando. Hoje já notamos diferenças, até na burocracia. Os trabalhadores precisam de ser formados, mas estão muito interessados em trabalhar e aprendem bem.»
Quanto aos resultados destes primeiros anos de exploração agrícola em Moçambique, David diz: «Posso considerar que foi um bom começo.» Por isso, já pensam desbravar os restantes 2 mil hectares de terra, concedidos noutro lugar, para levar por diante um projecto de produção de hortícolas para o mercado moçambicano e, mais tarde, para exportação. Agora, têm ainda mais um motivo de entusiasmo: ao escavar a terra em volta da cozinha descobriram ruínas de uma antiga casa
da fazenda e estão a reconstruí-la. Para já, a família de David emprega em Manica 154 trabalhadores permanentes e 300 em vários períodos do ano. A tendência será para dar trabalho a muitos mais.
Os efeitos dos zimbabuanos
Depois de David, muitos outros zimbabuanos chegaram à provincía de Manica. E outros hão-de vir. Mesmo os que, no início da crise política no Zimbabué, decidiram partir para destinos tão longínquos como a Austrália, descobriram agora que, afinal, o seu futuro estava ali à porta de casa. Depois das eleições presidenciais em Moçambique, marcadas para o próximo Outono, ainda deverão chegar muitos mais – os que, depois da experiência traumatizante vivida no Zimbabué, aguardam expectantes os resultados eleitorais, para conhecer as novas regras do jogo. Para já, atraem-nos os resultados dos que começaram a deitar sementes em terras moçambicanas, há pelo menos dois anos.
Esses já são responsáveis pela criação de mais de cem empresas, das quais 40 estão em plena actividade, e mais de 4 mil postos de trabalho. Desbravaram milhares de hectares de terras virgens. Hoje têm campos de tabaco e milho a perder de vista, onde as plantas superam a altura dos homens. Mas também cultivam rosas para exportação, criam gado e mantêm até unidades de piscicultura. Estão em praticamente todos os sectores agrícolas. As fazendas daquela província moçambicana chamam-se agora com mais razão do que nunca «farmas» (do inglês farm, que significa ‘quinta’), termo utilizado já no tempo do colonialismo por influência da Rodésia e da própria África do Sul.
Satisfeitos com os resultados, os «farmeiros» questionam-se: «Como é que os agricultores portugueses não descobriram as potencialidades agrícolas de Moçambique?» Atrás dos agricultores, vieram outros investidores, ligados ao comércio de produtos para a agricultura: vendedores de tractores, de alfaias, de fertilizantes, de sementes, de produtos de veterinária e de tudo o mais que preciso seja...
Trabalho e uma cabana
Da estrada que liga Chimoio à vila de Manica, a caminho da fronteira entre Moçambique e o Zimbabué, avistam-se várias destas empresas. Mas a de Ian Smith (o mesmo nome do último governante da Rodésia segregacionista...) e Linda realça-se pela dimensão do antigo hangar de aviões, comprado no Zimbabué por Ian e pelo seu sócio da Agriterra e que se encontra praticamente montado. Aquela estrutura contrasta com a pequena casa de madeira onde o casal dorme, com a filha de 12 anos, e com a tenda verde que lhes serve de sala e de cozinha. «É simples», explica Ian. «Primeiro tenho de criar as condições para a trabalhar e só depois é que posso construir a casa.» Ian já vende tractores em Moçambique há dois anos. Mas o hangar servirá de oficina de assistência para os seus clientes e para montar tractores. É aí que está o complemento do negócio. Por isso, a família terá de esperar mais algum tempo por melhores condições de vida. O que não falta é alegria e boa disposição. Ian, 49 anos, cumprimenta-nos como se já nos conhecesse há muito tempo. Linda, 33, está dentro da tenda, com a filha, os cães e o gato. Mas sente a nossa presença e aparece com um sorriso largo, convidando-nos a entrar. A televisão está ligada e Storm está vidrada no ecrã como qualquer miúda de 11 anos, a um sábado de manhã, a ver desenhos animados. O seu nome quer dizer tempestade, mas o sorriso que sai daquele rosto sardento revela a enorme tranquilidade da sua vida.
Aos dias de semana, Storm frequenta a 6ª classe das aulas leccionadas em inglês na escola do Chimoio. Mas também aprende ali português. Com ela estão mais 17 crianças zimbabuanas. Storm continua a preferir comunicar em inglês, mas já se desenvencilha na nossa língua. «Gosto muito mais de viver em Moçambique do que no Zimbabué», conta-nos. «Aqui tenho mais amigos e é tudo mais calmo.» Linda explica que no Zimbabué, ultimamente, Storm estudava apenas em casa, o que a limitava socialmente.
Num placard de platex, ao fundo da tenda, um conjunto de fotografias retrata as várias fases da conquista de condições de vida dos Smith em Moçambique. Desde o chuveiro de balde accionado por uma roldana com que incialmente tomavam banho, até à sanita montada no meio de uma cerca de canas. Agora, só lhes falta a casa para serem completamente felizes, acentua Linda.
«Aqui», salienta Ian, «vivemos numa democracia: há paz, mais segurança e foi fácil obter a terra» – os quatro hectares onde vivem e os muitos outros que já lhe foram concessionados para desenvolverem uma «farma», onde Ian e o sócio pretendem cultivar já na próxima estação tabaco, cereais e alguma páprica. Além disso, o negócio dos tractores tem um grande potencial de crescimento. Em poucas palavras, Ian explica a diferença entre o Zimbabué e Moçambique: «Lá não vendemos um único tractor. Aqui vendemos 14.» Ian confessa que ainda chegou a pensar na alternativa Zâmbia. Mas a economia moçambicana está a crescer mais e está mais estabilizada. No próximo ano, os Smith já terão oficina e «farma» em plena actividade. Nessa altura, a Agriterra já empregará pelo menos 120 pessoas.
Apoio político
Mas se os zimbabuanos estão satisfeitos com o negócio em Moçambique também é verdade que os resultados dos seus investimentos em Manica têm um impacto significativo na economia moçambicana. E terão ainda mais a partir deste ano.
De acordo, com um relatório do Governo provincial, a que a VISÃO teve acesso, no final de 2004 o número de novos postos de trabalho criados no sector agrário deverá elevar-se para 10 mil. Em 2001 o sector era responsável apenas por cerca de 1 500 empregos. Entre 2001 e 2004, o número de famílias envolvidas em várias culturas (cereais, tabaco, algodão, oleaginosas, hortícolas e malagueta) também cresceu de 20 para 130 mil.
Como não podia deixar de ser, o rendimento per capita dos habitantes de Manica aumentou de 125 dólares, em 2000, para 347,50, em 2003. O valor das exportações agrícolas, de 1,5 milhões de dólares em 2000, deverá no final deste ano elevar-se para 16 milhões. Resumindo: «Em 2003, a provincía de Manica teve um peso de 4,8% no Produto Interno Bruto de Moçambique. E o seu PIB per capita, de 125 dólares, foi o 4º maior do país.
Sem nunca ferir as boas relações que continua a manter com o Zimbabué e com o seu Presidente, Robert Mugabe, Joaquim Chissano e o seu Governo têm sabido gerir muito bem o acolhimento aos agricultores brancos, retirando benefícios económicos da crise política no país vizinho, que se havia traduzido antes em prejuízos para a economia moçambicana.
Chissano sabe que o seu país carece de infra-estruturas e empregos. Além disso, tem poucos apoios disponíveis para ajudar nacionais ou estrangeiros que queiram investir em terras moçambicanas. Por isso, joga com as armas de que dispõe para segurar estes homens dispostos a sujeitarem-se a quaisquer condições de vida para poderem continuar a trabalhar a terra. O presidente moçambicano vê neles fontes de emprego e crescimento económico para o país. Dar-lhes terras virgens, escassos apoios financeiros e acarinhá-los – directamente ou através dos governos provinciais – tem sido a sua política.
Por isso se deslocou no mês passado em visita oficial à província onde está concentrado o maior número de agricultores zimbabuanos. E teve a preocupação de lhes oferecer um jantar (em que todos se serviram da mesma panela) durante o qual puderam conversa informalmente. Um gesto muito bem acolhido pelos novos investidores. «No Zimbabué nunca vimos o nosso Presidente a menos de dez quilómetros de distância», diz um deles.
Na ocasião, Chissano transmitiu a mensagem desejada. A da tranquilidade, garantindo-lhes que seja qual for o vencedor das próximas eleições presidenciais em Moçambique, a política até agora seguida relativamente aos investidores externos irá continuar. Seja Daklama, o líder da Renamo, o vencedor, ou Guebuza, o novo líder da Frelimo, ambos têm como objectivo fazer crescer a economia do país. E isso só pode acontecer com a ajuda do investimento estrangeiro. A mensagem foi sublinhada pelos «farmeiros» na reunião do dia seguinte na «farma» da Stacom Tobaccos (ver caixa).
Naquela visita, o Presidente moçambicano anunciou ainda um conjunto de investimento, nomeadamente estradas e pontes, a realizar nos próximos anos. E que poderão beneficiar o escoamento da produção de Manica, bem como o modo vida dos agricultores. Apenas mais um gesto político, a somar aos que têm vindo a ser tomados pelo governador Soares Nhaca (ver pág. 98), que já conquistou a simpatia dos zimbabuanos apesar de, ao princípio, ter enfrentado as dúvidas dos políticos de Maputo quanto ao fenómeno dos novos «farmeiros» em Manica.
Tudo é possível
Um dia, conta Nhaca, saiu nos jornais a notícia da criação de peixe em Manica. «No Parlamento do Maputo, a oposição pediu explicações. ‘Como é possível numa província do interior, de onde nem se vê o mar, estar a produzir-se peixe?’, perguntavam. Resolvi a questão convidando-os para virem ver como se criava peixe sem mar», remata.
O projecto em questão resulta de uma sociedade composta por dois portugueses que sempre viveram no Zimbabué e dois zimbabuanos. Situa-se no local de rara beleza, à beira rio, que os sócios do projecto escolheram para viver. Já ali construíram as suas casas mas ainda guardam as roullotes onde dormiam inicialmente, bem como a primeira casa, mais pequena. «Agora está destinada a receber os amigos que estão para vir do Zimbabué sem nada de seu; assim, não precisam de passar pelo que alguns de nós passaram», explica-nos José Luís Lima, 39 anos, um dos sócios. Às 2 da tarde fomos encontrá-lo a trabalhar junto dos empregados, na construção da que há-de ser a futura fábrica de rações para peixe. Os primeiros peixes produzidos nos tanques começaram a sair para o mercado no final do mês de Abril. «Agora produzimos apenas 16 toneladas por mês, por isso é tudo para o mercado nacional; mas quando chegarmos às 21 toneladas mensais começaremos a exportar, e já temos empresas interessadas em importar do Zimbabué, da África do Sul e de Inglaterra.» A ração alimenta os peixes, mas também «sustenta» as muitas famílias que vivem em redor da Fish Farm. «Produzem feijão, milho e trigo, nós compramos-lhes, juntamos-lhe o farelo de peixe e fazemos a ração», relata José Luis.
À frente da futura fábrica, virada para o rio, alongam-se os tanques do peixe. Juntos, os quatro sócios já investiram ali 7 biliões de meticais. Mas o seu objectivo é construir cem tanques e colocar 32 redes no rio, onde o peixe vive em semiliberdade na última fase de crescimento. Nessa altura do projecto «já contamos ter um sistema de refrigeração montado, para podermos preparar aqui filetes de peixe e outros produtos acabados para segmentos de mercado com maior poder de compra.» Daqui por dois anos, esperam começar a ter lucro. Ao todo, dão trabalho permanente a 22 pessoas e eventual a mais 15.
Todos os sócios da Fish Farm têm ali os filhos. Mas as crianças não se encontram de momento na fazenda – estão na África do Sul. «Eles têm aulas pela Internet, e de dois em dois meses estão lá sete dias a tirar dúvidas ou a fazer testes.»
A filha mais velha de um dos sócios zimbabuanos, de 18 anos, preferiu trocar os peixes pelas rosas. É a responsável de contabilidade da Vilmar Investimentos, um dos projectos mais coloridos de zimbabuanos em Manica. A empresa produz rosas desde 2002, para exportar, via Zimbabué, para a Holanda e a Inglaterra. Em 181 hectares de terra construiu várias estufas, dando já trabalho a 250 pessoas. Os sócios da Vilmar, Derik Hinde e David England, continuam a viver no Zimbabué.
Mistura de culturas
«Depois do que lhes aconteceu no Zimbabué, algumas pessoas ainda não estão dispostas a investir tudo aqui ou noutro país; precisam de ganhar confiança; por isso é que alguns ainda não vivem cá», vai-nos dizendo um empresário zimbabuano, ao longo de uma viagem que começa no Chimoio e termina perto de Catandica.
A estrada estende-se por entre campos e floresta. Parte é de alcatrão e outra parte de terra batida. Em frente, as vistas estendem-se até à serra de Manica. Ao longe avista-se aqui e ali gado a pastar. Há pessoas pela berma da estrada, a pé e de bicicleta. Não se vêem casas. Quando o carro entra na estrada, o cheiro a terra mistura-se com o do alcatrão que está a ser usado na recuperação da velha via deixada pelos portugueses. Sinais de desenvolvimento.
A primeira aldeia que avistamos, ao fim de cerca de duas horas de caminho, chama-se Pungué – o mesmo nome do rio que a banha. Dali para a frente as nuvens de pó adensam-se. Há que abrandar a velocidade. No tempo da guerra civil em Moçambique, a zona era dominada pelas tropas da Renamo, hoje o maior partido da oposição ao Governo da Frelimo. Mais meia-hora de caminho e chega-se a uma vereda, que se esconde sob as ramagens das árvores. Por ali não falta água. Por todos os lados se vêem riachos. De repente, ao longe, um grande campo de milho é o primeiro sinal de que estamos prestes a chegar ao Catandica Rancho. Uma «farma» onde se produz gado para abate, milho, tabaco, páprica e rações de milho. Uma terra fértil. Parece incrível que noutros tempos aquele local tenha servido de palco a um dos mais sangrentos episódios da história das guerras regionais. Foi ali que foram mortos 7 mil homens do movimento de libertação do Zimbabué, pelas tropas de Ian Smith. Boit Chantloir, o gestor da fazenda, está na plantação, com os trabalhadores. Alto, magro, com um chapéu de cowboy, calções, camisa de mangas arregaçadas, botas de couro, o homem é o estereótipo de um qualquer rancheiro norte-americano.
Figura simpática e bem-disposta, não quer falar do passado. Ficou sem emprego aos 49 anos, no Zimbabué, onde sempre foi gestor de «farmas», e partiu com dois carros carregados de coisas e sem família para Moçambique, em 2002, para construir um novo rancho de zimbabuanos. «Fecha-se uma porta, mas abre-se logo uma janela.» É assim que resume o que se passou. É perceptível que só quer falar do futuro ou de um passado mais recente, de que muito se orgulha, que é o da origem daquela «farma».
«Nos primeiros meses dormi numa tenda e construí aquela palhota (de canas e colmo) para cozinhar», conta Boit Chantloir. O desbravamento dos 200 hectares de terra limpa que hoje tem começou em Fevereiro de 2003. Agora já dorme numa casa de tijolo vermelho, coberta de colmo, com chão de cimento e casa de banho. Já tem também construídos a cozinha, o escritório e a sala. Entre a casa e o bar aberto, de canas e colmo, que erigiu para receber os amigos, estende-se o jardim que enche de cor o pátio central, protegido do calor pela copa de árvores frondosas. Boit come quase tudo do que a terra lhe dá. Aquece a água numa caldeira de tijolo accionada a lenha. A água é retirada de um furo feito ali mesmo ao lado. Um gerador com capacidade para produzir 6 mil megawatts de energia dá-lhe a autonomia de que precisa relativamente à rede eléctrica moçambicana, que nunca mais ali chega. Assim, pode garantir o funcionamento de uma fábrica de farinha de milho e de um matadouro com seis grandes câmaras frigoríficas, que acabou de ser construído.
E como é que os trabalhadores chegam ali todos os dias? Alguns vivem no rancho, outros em aldeias próximas. Os que vêm de mais longe utilizam as bicicletas compradas pelos patrões.
Afinal, parece não ser assim tão difícil viver no meio do mato, ser autónomo e manter-se em contacto com o mundo, mesmo que os telemóveis não funcionem. Mas não é tão simples como pode parecer. Para ver a família de mês a mês, Boit trabalha de sol a sol, sem fins-de-semana.
Tal como os outros «farmeiros», ele está disposto a viver com limitações para que a produção avance. Desde que não lhe falte a informação do mundo. E se o Governo não lhes dá o que precisam para trabalhar, eles fazem. O seu comportamento e modo de vida traduzem uma mistura de formas de educação e culturas. As que absorveram do sítio onde nasceram – a África – e a que lhes foi transmitida pelos ascendentes europeus.
São agricultores africanos, estes brancos que estão a ajudar Moçambique a crescer."

Thursday, September 22, 2005


Farmeiros brancos zimbabweanos no Chimoio

Tuesday, September 20, 2005

“FARMEIROS BRANCOS PORTUGUESES DE VILA PERY” / “FARMERS BRANCOS ZIMBABWEANOS NO CHIMOIO” (ex-Vila Pery)

Como anteriormente afirmei, o recente e crescente refúgio dos “«farmers» zimbabweanos brancos” expulsos do Zimbabwe por Mugabe e acolhidos pelo governo de Moçambique na zona do Chimoio (que têm vindo desde há 3 anos a esta parte a ocupar as propriedades dos “«farmeiros» portugueses brancos” de Vila Pery expulsos de Moçambique por Samora Machel nos anos 80 do período pós-independência) tem vindo a ser glosada na imprensa portuguesa, nomeadamente em reportagens recentemente publicadas na “VISÃO” e no “EXPRESSO”, em análises profundamente distorcidas tanto do ponto de vista histórico como da realidade dos factos, como a seguir vou demonstrar.
Para o efeito, começo por repescar as ditas reportagens, assinalando algumas “pérolas” da mais pura demagogia e da (in)verdade histórica que lhes está subjacente, mas que quando se trata de analisar históricamente o colonialismo português em África continua infelizmente, em nome do “politicamente correcto”, a ser a tónica dominante.

Thursday, September 15, 2005


Colegio de Vila Pery - outra imagem

O REGRESSO AO PASSADO - A minha expulsão do Colégio

O 1.º ano do liceu correu normalmente (inclusivamente, o meu nome constava do “quadro de honra” do colégio) até que no decorrrer do 2.º trimestre do 2.º ano, um episódio determinou a minha expulsão do mesmo.
Visto à distância de passados quase 45 anos, o mínimo que se pode dizer é que parece caricato, mas a verdade é que se passou tal qual como o descrevo a seguir: nós tinhamos aulas da parte da manhã, e depois do almoço regressávamos da parte da tarde ao colégio para o denominado “estudo” onde fazíamos os deveres ou trabalhos de casa.
Uns tempos antes, tinha comprado na Spanos (uma das duas livrarias da Vila onde se vendia o material escolar, a outra era a Salema & Carvalho) para as aulas de desenho um compasso “Kern” (acabado de chegar de Portugal com amplificação e demais apetrechos do “último modelo”) que num certo dia deixei como habitualmente dentro da pasta na sala de aula, no intervalo de almoço entre os períodos da manhã e tarde. Acontece, que ao regressar da parte da tarde para o “estudo” verifiquei que me tinham roubado o estojo “Kern”, pelo que imediatamente dei conta à “irmã Salomé” do sucedido (“irmã” era a designação que tinham as religiosas do colégio, embora houvesse também professoras civis, entre as quais se destacava a professora de francês, conhecida simplesmente como “Madame”, casada com o célebre Sr. Freiria, empregado do Grémio - a gíria porque era conhecido o GRLPMS - Grémio da Lavoura do Planalto de Manica e Sofala - que tinha combatido em França na I Grande Guerra e vindo dela “gaseado” (sob os efeitos dos gases utilizados nessa guerra) e cuja “suprema loucura” era passear pelas ruas da Vila, às 6H30 da manhã, imitando com a busina do carro o som de marchas militares, acordando naturalmente todos os habitantes).
O meu calvário começou aí, pois enquanto eu argumentava que o compasso tinha sido roubado, as irmãs afirmavam que na “casa de Deus” este via tudo e que, portanto, não existiam roubos pelo que eu teria de dizer que o mesmo tinha “desaparecido”. Na ingenuidade dos meus 11 anos mas com a óbvia certeza de que o “Kern” não podia senão ter sido roubado, fui subindo na hierarquia até chegar à madre superiora ( a “mamere” como era designada, sinal evidente da influência francesa no ensino, por decalque do que passava no Portugal Continental, enquanto nós vivíamos ali a dois passos de países de língua e dominação inglesas ... ) perante a qual mantive a minha tese do “roubo” (mais tarde na Faculdade de Direito de Lisboa viria a aprender a diferença entre “furto” e “roubo”).
Diante desta manifestação de forte personalidade juvenil, nada mais lhes restou do que chamar o meu pai, na expectativa natural de que este me demovesse da minha convicção, só com surpresa para as religiosas o “compadre Anhanha” (era assim que o meu pai «Frutuoso Antunes» era conhecido em Vila Pery, e a expressão “anhanha” na língua nativa adjectivava alguém como pessoa “proba”, “recta”, “justa”) corroborou inteiramente perante aquelas, a óbvia e evidente posição do seu filho de 11 anos.
Como consequência, a “fatah religiosa” foi unânime de que nem o filho (nem o pai, qual herege sustentando a posição “não crente” do seu filho) reuniam condições para que o mesmo prosseguisse a sua educação no colégio, o equivalente à decisão da minha expulsão. Era evidente a chantagem exercida, tendo em conta a inexistência de alternativa, pressionando a previsível de retratação por parte de ambos.
Só que a decisão do meu pai foi fulminante, pois diante da madre superiora foi peremptório no sentido de que (e ainda hoje continuo sem saber qual o “timing” da decisão do meu pai, pois parecendo obviamente uma decisão estudada, a verdade é que ele não conhecia minimamente o sentido da decisão das “freiras”) eu iria prosseguir os estudos na Beira, mas que para além disso deixaria também o Colégio o meu irmão Tomané que nada tinha a ver com o assunto. Por uma última vez, a madre superiora tentou a chantagem do “divisionismo”, dizendo que um tinha que sair, mas o outro poderia ficar, mas ficou a falar sózinha, visto que o meu pai nem se lhe dignou responder.
Embora miúdo compreendi nesse momento a mensagem do meu pai (aliás, ela explicou-a ao meu irmão uma vez que este não tendo nada a ver com o assunto, acabava por sofrer consequências da mesma) e que era mais ou menos esta “quando estamos convictos de que temos razão, não devemos transigir perante ninguém, mesmo que isso nos possa trazer consequências negativas” o que corresponde a um “valor” que me tem acompanhado toda a vida.
Vi-me, assim, conjuntamente com o meu irmão, constrangido a ir para um colégio interno na Beira (apenas a 200 Kms de distância, mas que eram naquela época em Moçambique a distância de “um outro mundo”) a abandonar os meus pais, irmã, tios, primos, enfim toda a grande e pioneira “família Antunes”, mas também os únicos colegas e amigos que tinha conhecido até essa altura. Foi um “corte abrupto” à minha feliz infância” em Vila Pery !

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