Monday, August 29, 2005


Vila Pery - Av. da Republica

VILA PERY - anos 50/60 do séc. passado

Fora do ambiente, no entanto, à época o convívio entre “brancos”, “mestiços”, “indianos” e “negros” era intenso, em que a solidariedade se estendia desde as intensas jogatanas de futebol (no improvisado campo por detrás da casa da Tia Lili, onde mais tarde foram construídos o edifício do “Manuel Antunes” e da estalagem Atlântida) à partilha dos lanches e a outras aventuras como a caça aos passarinhos e aos patos nas matas e lagoas circundantes à Vila. Não se via a cor das pessoas, mas seria cínico dizer que não havia segregação económica, que existia e era marcada.
Foi na inocência da minha adolescência que aprendi alguns valores que ainda mantenho, foi lá que conheci e convivi com os africanos e me tornei num deles. Só sou português por educação e a despeito de me encontrar e viver há muitos anos em Portugal, acho que “não sou senão africano”.
Continuar a intitular-se os portugueses brancos do Moçambique colonial como “racistas” e exploradores do trabalho dos negros, considerar “o colonialismo português igual aos outros colonialismos europeus” (J. Eduardo Agualusa, “Pública” Abril de 2001) é manifestamente desconhecer a realidade moçambicana dos anos 50, ainda longe da guerra, nomeadamente quando comparada por ex. com o que se passava na vizinha Rodésia então sob administração inglesa (Vila Pery distava 70 Km de Umtali (actual Mutare) e era lá que nos deslocavamos semanalmente para ida às compras, ao médico da família, dr.Kay), e facilmente nos apercebíamos da inexistência de qualquer mistura de raças como a que efectivamente se verificava em Moçambique.
Não defendo a “superioridade” do colonialismo português, mas agora considerá-lo igual ao colonialismo inglês, que a nossa capacidade de nos misturarmos com os povos colonizados (a mestiçagem) é idêntica à separação entre brancos e negros (um autêntico “apartheid”) que tantas vezes vi na sociedade rodesiana de então, parece-me uma clara subversão da realidade, e que só em nome do “politicamente correcto” pode continuar a ser defendido.
E para não se dizer que não estou isolado neste meu pensamento, atente-se na afirmação de um agricultor das centenas de farmeiros brancos expatriados, «empurrados» do Zimbabwe nos últimos quatro anos pelo Presidente Robert Mugabe, e que se refugiaram no Chimoio (a minha ex-Vila Pery natal) que disse simplesmente isto: «aqui a cor da nossa pele parece não importar. Acho que isso tem a ver com a mentalidade herdada dos portugueses, mais descontraída… de uma maior convivência com os locais».
A propósito, esta questão dos “farmeiros rodesianos brancos” expulsos por Mugabe e acolhidos pelo governo de Moçambique na zona do Chimoio que têm vindo desde há 3 anos a ocupar as propriedades dos “farmeiros portugueses brancos” de Vila Pery expulsos por Machel nos anos 80 do período pós-independência e da análise distorcida feita na imprensa portuguesa (reportagens recentemente publicadas na “Visão” e “Expresso”) será por mim glosada oportunamente neste blog.

Monday, August 15, 2005


Colégio de Vila Pery

O REGRESSO AO PASSADO - Colégio N. Senhora da Conceição (Vila Pery)

Após concluir a instrução primária na escola D.Gonçalo Silveira – curiosamente, e só para ver como muitas vezes tudo isto se encontra interligado, li recentemente que o escritor moçambicano Mia Couto se vai iniciar no romance histórico baseando-se na figura deste missionário e acerca do qual escrevi já neste “blog” uma pequena biografia – e após o exame de admissão ao liceu, em 1959-60 continuei os meus estudos no Colégio Nossa Senhora da Conceição, de Vila Pery, um colégio de freiras, para o qual e a exemplo de outros colégios de padres e religiosas nomeadamente nas cidades e vilas do interior dos territórios das colónias, o estado português transferia a sua responsabilidade pelo ensino liceal.
Mais uma vez, não posso deixar de realçar as incogruências da política educacional colonial portuguesa – ao entregar a essas ordens religiosas o ensino liceal, para todos os efeitos e nomedamente em termos de engargos funcionando como colégios particulares (ensino pago e, por vezes, bastante bem pago) – produzia naturalmente a selecção daqueles que a ele podiam aceder.
No fundo, da transição da escola primária para o liceu, fez com que neste só tivessem entrado os meus colegas da primária “brancos”, alguns de origem indiana (filhos dos mais prósperos comerciantes indianos da Vila, entre os quais naturalmente o meu grande amigo Jassu, hoje o Dr. Hirgee, distinto magistrado do M Público na Boa Hora, com quem partilhei um longo percurso estudantil, primário, liceal e universitário na Faculdade de Direito de Lisboa), mas tivessem ficado pelo caminho os “mestiços” que tinham sido meus companheiros na instrução primária.
Era um colégio misto, interno para o elemento feminino, externo para os rapazes, recordo aqui os da minha geração (Carlos Lages, Alexandre e Zé Violante, Carreiro, Garcia o “galinha”, Luis Gomes, Vitorino, Jassu, Kanti, Aguiar, Fielito, Viegas, Pedro Laje) que se segue à primeira (e, por isso a mais “famosa”) geração de alunos (Lacerda, Tony Almeida Matos, Renato Saavedra, Beto, Rui Barriga, Conde, Rui Basílio, o meu irmão Tomané o “vingança”, Fiel, Azambuja, Tomané, os dois últimos infelizmente já desaparecidos ) que independentemente das que se lhe seguiram até aos anos 70, são naturalmente as mais marcantes do Colégio, até porque a maior parte deles acabaram por fazer as suas vidas pessoais e profissionais em Vila Pery, de onde só saíram à data da independência.
Uns continuam em Moçambique (Rui Basílio, Tony Almeida Matos – este é um caso curioso, porque tendo vindo estudar para Portugal nos anos 60, sabia-se que tinha partido para o estrangeiro, e só com a independência e o seu regresso integrado na estrutura da FRELIMO, tendo mesmo chegado a exercer funções governamentais em executivos de Samora Machel, se constatou que a sua fuga estava já relacionada com a sua adesão à Frelimo, inteiramente desconhecida para todos nós, tanto mais que o facto era naturalmente e propositadamente “esquecido” pela sua família que continuou a viver em Vila Pery – o Gomes, o “Alves Gomes” durante muitos anos correspondente do “Expresso” em Maputo), a maior parte deles nos pós-independência vieram para Portugal e por aqui continuam, e ainda outros espalhados pelos diferentes cantos do mundo (Angola, Brasil, África do Sul, Estados Unidos, etc., etc.).

Tuesday, August 02, 2005


Malagantana - quadro do pintor moçambicano e uma das referências da lusofonia

LUSOFONIA - DISSERTAÇÃO FINAL ( 12 )

Concluíndo estas divagações pessoais sobre a ideia da "lusofonia" nada melhor do que terminar com a poesia de Rui Knopfli o poeta de língua portuguesa que melhor soube expressar essa ideia ("pátria é só a língua em que me digo")
Pátria *

Um caminho de areia solta conduzindo a parte nenhuma. As árvores chamavam-se casuarina, eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios também tinham nomes por que era costume designá-los. Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagal

e a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso e misterioso, habitado por deuses e duendes de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois, com valados, elevações e planuras, e mais rios

entrecortando a savana, e árvores e caminhos, aldeias, vilas e cidades com homens dentro, a paisagem estendia-se a perder de vista até ao capricho de uma linha imaginária. A isso chamávamos pátria. Por vezes, de algum recesso

obscuro, erguia-se um canto bárbaro e dolente, o cristal súbito de uma gargalhada, um soluço indizível, a lasciva surdina de corpos enlaçados. Ou tambores de paz simulando guerra. Esta não se terá feito anunciar por tal forma

remota e convencional. Mas o sangue adubou a terra, estremeceu o coração das árvores e, meus irmãos, meus inimigos morriam. Uma só e várias línguas eram faladas e a isso, por estranho que pareça, também chamávamos pátria.

De quatro paredes restaram as pedras. Com as folhas de zinco e a madeira ferida dos travejamentos perfaziam uma casa. Partes de um corpo desmembrado, dispersas ao acaso, vento e silêncio as atravessam e nelas não dura a memória

que em mim, residual, subsiste. Sobre escombros deveria, talvez, chorar pátria e infância, os mortos que lhe precederam a morte, o primeiro e o derradeiro amor. Quatro paredes tombadas ao acaso e isso bastou para que, no que era só mundo, todo o mundo entrasse

e o polígono demarcado, conservando embora a original configuração, fosse percorrido por um arrepio estrangeiro, uma premonição de gelos e inverno. Algo lhe alterara imperceptivelmente o perfil, minado por secreta, pertinaz enfermidade.

Semelhante a qualquer outro, o lugar volvia meta e ponto de partida, conceitos que, como a linha imaginária, circunscrevem, mas de todo eludem, o essencial. Ladeado de sombras e árvores, o caminho de areia, que se dizia conduzir a parte alguma, abria

para o mundo. A experiência reduz, porém, a segunda à primeira das asserções: pelo mundo se alcança parte nenhuma; se restringe ficção e paisagem ao exíguo mas essencial: legado de palavras, pátria é só a língua em que me digo.

29/08/1997
* incluído no livro "Memória Consentida", Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1982, Lisboa,


e um quadro do pintor Malagantana Valente, o pintor moçambicano já pertença desse imenso mundo lusófono.

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