Monday, April 11, 2005
HISTÓRIA DE CAHORA BASSA ( 6 )
A "descoberta" de Cahora Bassa
Embora existam notícias de algumas expedições, mais ou menos científicas, ao Zambeze, é em meados do séc. XIX que estas se generalizam, como os de Livingstone, Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo ou Roberto Ivens, viagens de exploração essas que, umas mais que outras, trazem a público descrições sobre o interior de África, até então quase totalmente desconhecido.
Foi contudo Livingstone que mais se aproximou do local onde hoje se encontra a parede da barragem de Cahora Bassa - iniciada em 1855, a sua expedição tinha como objectivo mostrar que o Zambeze poderia servir como eixo de ligação entre o interior africano e o Índico.
Tendo falhado a primeira tentativa, deixou os seus companheiros em Tete e voltou à Europa em busca de maiores apoios, regressando ao Zambeze passados cerca de três anos, apetrechado com embarcações desmontáveis que pensa serem capazes de vencer a forte corrente - depois de várias tentativas, a última das quais quase fatal, desistiu do seu propósito afirmando que era impossível passar as cataratas de Cahora Bassa; no entanto, como se verá mais adiante, as cataratas a que chegou ainda ficavam distantes da famosa garganta.
Só no início do séc. XX, mais exactamente no ano de 1905, um cientista português - Gago Coutinho - conseguiria chegar até onde, ao que parece, nenhum outro europeu tinha chegado. Foi dele que ficou a "explicação" do nome de Cahora Bassa. Fazendo parte de uma viagem de carácter científico cujo objectivo era o «estudo das relações hidrográficas dos dois grandes rios [Congo e Zambeze] e a exploração da parte desconhecida do Zambeze entre os dois pontos navegáveis, o Zumbo, a mais longínqua povoação localizada no curso inferior do rio, já em território moçambicano, e Tete», Gago Coutinho procedeu a levantamentos cartográficos, inventariou recursos minerais e vegetais, exaltou as potencialidades energéticas com a possibilidade de tomar o Zambeze navegável, da foz ao Zumbo.
Do cimo do pico de M'Panda Unkua conseguiu vislumbrar as claras diferenças entre o Alto e o Baixo Zambeze, referindo-se nos seguintes termos, relativamente à navegabilidade do rio: «a navegação feita em escaleres terminava ali pelo Baixo Zambeze. Daí para cima a água vem a passar tão subtil num pequeno ribeiro de baixa espessura que nos parece não poder comportar a imensa toalha líquida que se estende em quilómetros de largura. As margens que o rodeiam são igualmente baixas e quietas, e o rio para cima passa a oferecer uma paisagem completamente diferente, num contraste abrupto e inquietante, fecha a passagem e formando um imenso túnel, de altura descomunal, onde as águas batem com violência. A navegação não avança dali».
Continuando a sua jornada para montante, Gago Coutinho passa pela Porta do Inferno, mesmo em M'Panda Unkua, para se embrenhar nos difíceis caminhos de Cahora Bassa, até que chega a um local «onde as águas plácidas pareciam repousar num sono calmo, o Zambeze escorrega formando um lençol branco de espuma, uma queda colossal, imponente, «a única existente em toda a Kahoura Basa» segundo revelou Livingstone. (...) Gago Coutinho extasiado, admirava o espectáculo ímpar que a natureza oferecia em sitio tão escondido e de todos ignorado. Um indígena que acorria ao local, entre assustado e curioso com a visão de dois homens tão diferentes, confirmou tratar-se da catarata Kasongo, muito distante ainda de Kaboura Basa. De Kasongo até Chikoa outras cataratas iriam surgir pelo caminho".
O termo Cahora Bassa foi então explicado, pelo explorador português, como significando, no dizer das gentes do Baixo Zambeze, "acabou o trabalho” ou, se quisermos uma tradução mais literal, "apodreceu o trabalho". Significava isto que, como não era possível aos habitantes da região passar com as suas embarcações a partir daquele ponto, a viagem de subida do rio acabava ali e, portanto, os trabalhos também - por outro lado é curioso notar o desconhecimento do termo por parte das, então raras, populações do Alto Zambeze que, inclusivamente, achavam o nome "caricato e humorístico”.
Deve-se, pois, a Gago Coutinho o primeiro estudo científico, objectivo e sustentado, da área de que falamos, bem como do primeiro desenho do percurso do Zambeze que, por ser diferente do desenhado por Livingstone, o levou a fortalecer a ideia que o explorador botânico não teria reconhecido a totalidade do troço de Cahora Bassa, nomeadamente em relação à garganta do mesmo nome - relativamente a esta, Gago Coutinho, com o objectivo de a melhor ilustrar aos seus conterrâneos, escreveu num artigo que "(...) aos que, em Lisboa (...) desejarem adquirir uma noção mais concreta sobre o que é essa misteriosa quartelada do grande Zambeze, poderemos indicar-lhes que a Cabora-Bassa, não tendo mais largura do que a nossa praça do Rossio, está contudo entalada entre montes seis a oito vezes mais altos do que o elevado morro do Castelo de S. Jorge, que, com os seus mesquinhos cem metros de altura, já tanto nos assoberba quando o avistamos cá de baixo, (...). A água, na estação seca, ocuparia a parte central já empedrada, (...) mas nas grandes cheias, toda a elevada casaria seria coberta e a corrente revolta iria bater nas ruínas do Carmo e enferrujar a fábrica do relógio.”
Cerca de cinquenta anos depois da viagem exploratória de Gago Coutinho, em 1956, um outro técnico - o Prof. Alberto Abecassis Manzanares, falecido recentemente em 2004 - haveria, também ele, de se referir ao Zambeze em território moçambicano como um troço que, “conta com as maiores possibilidades económicas do que porventura qualquer outro troço de rio idêntico em África ou até noutros continentes - o estudo do esquema do seu aproveitamento integral não pode ser obra de anos, nem talvez de uma década. Se for considerado que no troço [moçambicano] a energia potencial do rio se aproxima dos 50 biliões de unidades (kwh), dos quais mais de metade são recuperáveis num troço relativamente curto - visto, tanto quanto se conhece agora, ele não ir muito além de 100 km - ter-se-á a noção da grandeza do valor potencial do rio." Estava lançado, definitivamente, o repto que, pouco depois, seria assumido.
Embora existam notícias de algumas expedições, mais ou menos científicas, ao Zambeze, é em meados do séc. XIX que estas se generalizam, como os de Livingstone, Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo ou Roberto Ivens, viagens de exploração essas que, umas mais que outras, trazem a público descrições sobre o interior de África, até então quase totalmente desconhecido.
Foi contudo Livingstone que mais se aproximou do local onde hoje se encontra a parede da barragem de Cahora Bassa - iniciada em 1855, a sua expedição tinha como objectivo mostrar que o Zambeze poderia servir como eixo de ligação entre o interior africano e o Índico.
Tendo falhado a primeira tentativa, deixou os seus companheiros em Tete e voltou à Europa em busca de maiores apoios, regressando ao Zambeze passados cerca de três anos, apetrechado com embarcações desmontáveis que pensa serem capazes de vencer a forte corrente - depois de várias tentativas, a última das quais quase fatal, desistiu do seu propósito afirmando que era impossível passar as cataratas de Cahora Bassa; no entanto, como se verá mais adiante, as cataratas a que chegou ainda ficavam distantes da famosa garganta.
Só no início do séc. XX, mais exactamente no ano de 1905, um cientista português - Gago Coutinho - conseguiria chegar até onde, ao que parece, nenhum outro europeu tinha chegado. Foi dele que ficou a "explicação" do nome de Cahora Bassa. Fazendo parte de uma viagem de carácter científico cujo objectivo era o «estudo das relações hidrográficas dos dois grandes rios [Congo e Zambeze] e a exploração da parte desconhecida do Zambeze entre os dois pontos navegáveis, o Zumbo, a mais longínqua povoação localizada no curso inferior do rio, já em território moçambicano, e Tete», Gago Coutinho procedeu a levantamentos cartográficos, inventariou recursos minerais e vegetais, exaltou as potencialidades energéticas com a possibilidade de tomar o Zambeze navegável, da foz ao Zumbo.
Do cimo do pico de M'Panda Unkua conseguiu vislumbrar as claras diferenças entre o Alto e o Baixo Zambeze, referindo-se nos seguintes termos, relativamente à navegabilidade do rio: «a navegação feita em escaleres terminava ali pelo Baixo Zambeze. Daí para cima a água vem a passar tão subtil num pequeno ribeiro de baixa espessura que nos parece não poder comportar a imensa toalha líquida que se estende em quilómetros de largura. As margens que o rodeiam são igualmente baixas e quietas, e o rio para cima passa a oferecer uma paisagem completamente diferente, num contraste abrupto e inquietante, fecha a passagem e formando um imenso túnel, de altura descomunal, onde as águas batem com violência. A navegação não avança dali».
Continuando a sua jornada para montante, Gago Coutinho passa pela Porta do Inferno, mesmo em M'Panda Unkua, para se embrenhar nos difíceis caminhos de Cahora Bassa, até que chega a um local «onde as águas plácidas pareciam repousar num sono calmo, o Zambeze escorrega formando um lençol branco de espuma, uma queda colossal, imponente, «a única existente em toda a Kahoura Basa» segundo revelou Livingstone. (...) Gago Coutinho extasiado, admirava o espectáculo ímpar que a natureza oferecia em sitio tão escondido e de todos ignorado. Um indígena que acorria ao local, entre assustado e curioso com a visão de dois homens tão diferentes, confirmou tratar-se da catarata Kasongo, muito distante ainda de Kaboura Basa. De Kasongo até Chikoa outras cataratas iriam surgir pelo caminho".
O termo Cahora Bassa foi então explicado, pelo explorador português, como significando, no dizer das gentes do Baixo Zambeze, "acabou o trabalho” ou, se quisermos uma tradução mais literal, "apodreceu o trabalho". Significava isto que, como não era possível aos habitantes da região passar com as suas embarcações a partir daquele ponto, a viagem de subida do rio acabava ali e, portanto, os trabalhos também - por outro lado é curioso notar o desconhecimento do termo por parte das, então raras, populações do Alto Zambeze que, inclusivamente, achavam o nome "caricato e humorístico”.
Deve-se, pois, a Gago Coutinho o primeiro estudo científico, objectivo e sustentado, da área de que falamos, bem como do primeiro desenho do percurso do Zambeze que, por ser diferente do desenhado por Livingstone, o levou a fortalecer a ideia que o explorador botânico não teria reconhecido a totalidade do troço de Cahora Bassa, nomeadamente em relação à garganta do mesmo nome - relativamente a esta, Gago Coutinho, com o objectivo de a melhor ilustrar aos seus conterrâneos, escreveu num artigo que "(...) aos que, em Lisboa (...) desejarem adquirir uma noção mais concreta sobre o que é essa misteriosa quartelada do grande Zambeze, poderemos indicar-lhes que a Cabora-Bassa, não tendo mais largura do que a nossa praça do Rossio, está contudo entalada entre montes seis a oito vezes mais altos do que o elevado morro do Castelo de S. Jorge, que, com os seus mesquinhos cem metros de altura, já tanto nos assoberba quando o avistamos cá de baixo, (...). A água, na estação seca, ocuparia a parte central já empedrada, (...) mas nas grandes cheias, toda a elevada casaria seria coberta e a corrente revolta iria bater nas ruínas do Carmo e enferrujar a fábrica do relógio.”
Cerca de cinquenta anos depois da viagem exploratória de Gago Coutinho, em 1956, um outro técnico - o Prof. Alberto Abecassis Manzanares, falecido recentemente em 2004 - haveria, também ele, de se referir ao Zambeze em território moçambicano como um troço que, “conta com as maiores possibilidades económicas do que porventura qualquer outro troço de rio idêntico em África ou até noutros continentes - o estudo do esquema do seu aproveitamento integral não pode ser obra de anos, nem talvez de uma década. Se for considerado que no troço [moçambicano] a energia potencial do rio se aproxima dos 50 biliões de unidades (kwh), dos quais mais de metade são recuperáveis num troço relativamente curto - visto, tanto quanto se conhece agora, ele não ir muito além de 100 km - ter-se-á a noção da grandeza do valor potencial do rio." Estava lançado, definitivamente, o repto que, pouco depois, seria assumido.