Tuesday, March 01, 2005
MOÇAMBIQUE: QUE FUTURO ? ( 1 )
No momento em que Armando Gebuza acaba de se tornar no 3.º Presidente de Moçambique, penso que vale a pena dissertar sobre a evolução da situação política em Moçambique, desenvolvendo algumas das minhas ideias sobre o assunto.
E se não acredito como Paul Valery de que «a história justifica tudo quanto se disser», a verdade é que a história recente e passada de Moçambique ajuda a compreender muito do que hoje se passa no país e a previsível evolução do que se virá a passar.
A QUESTÃO DO ESTADO NACIONAL E A ELITE NO PODER
Vista numa perspectiva histórica, é aí que vamos encontrar as raízes dos profundos problemas que hoje assaltam a sociedade moçambicana, nomeadamente a falta de um desígnio nacional e a inexistência de uma elite que surja directamente da vida nacional: até aqui o que tem existido é uma elite ligada ao Sul, a Maputo. Podemos falar, aliás, de dois Moçambiques: em torno de Maputo, na província de Gaza, existe um sistema de integração social de onde surgiu o aparelho de Estado actual; o resto do país está largamente abandonado.
A elite que está no poder é a FRELIMO, e esta tem três grandes origens históricas: as elites tradicionais da Província de Gaza; um núcleo resultante das populações crioulas urbanas; e um pequeno núcleo da elite militar ligada aos Macondes, do norte. Neste conjunto que governa Moçambique, o grupo militar permanecerá sempre pequeno; e, quanto aos outros dois, há uma relação de forças que está a alterar-se, com a diminuição de força das elites crioulas. De tal maneira, que o que temos tido até hoje no poder em Maputo são pessoas cujo relacionamento histórico de longo prazo é com uma aristocracia do sudeste africano, aristocracia que vai encontrar a sua raiz histórica na invasão Zulu do sul de Moçambique nos princípios do século XIX e que dá origem ao Reino de Gaza. No meio do turbilhão da resistência ao poderio dos ingleses na região do Natal, há um princípe guerreiro chamado Shoshangana que parte da Zululândia e forma o reino de Gaza, um reino feudal que ia até ao Rio Save. Estamos no último quartel do século XIX e é nessa altura que Mouzinho de Albuquerque transporta a capital da Ilha de Moçambique e reconstitui o Estado colonial a partir da conquista de Gaza e da captura do Gungunhana que é bisneto de Shosshangana. O poder colonial português afirmou-se conquistando esse Reino, em que os antigos senhores feudais passam a ter um papel subalterno dentro do aparelho colonial.
Naturalmente, quando Moçambique assume a independência, como a capital estava na sua província, foi inevitável a apropriação do Estado colonial por eles - no Reino de Gaza, tinha-se constituído uma aristocracia, com identidade política própria e muitas ligações à África do Sul, que de reforçaram no período pós-independêmcia, e uma marca desse tipo de ligação aristocrática é o casamento dinástico entre Mandela e a viúva de Samora Machel, ligação entre um descendente de um princípe (cuja primeira mulher era uma Delamini, da linha real zulu ) e uma figura central na nova elite do sul de Moçambique; o próprio Joaquim Chissano é bisneto de um dos principais “indunas” (vassalo) do Gungunhana; o herdeiro directo do Gungunhana foi, durante muito tempo governador de Gaza, como representante da FRELIMO; os três presidentes da FRELIMO (Mondlane, Samora, Chissano) são todos naturais da província de Gaza.
Isto é o que se passa a Sul; já no Centro-Norte encontramos um país muito marcado respectivamente, com o interior do continente (conhecem-se as dificuldades da colonização portuguesa de penetração no interior de Moçambique por força da resistência oferecida pelos impérios ai existentes) e pelo Islão e pelas relações com o Índico (quando os navegadores portugueses chegaram às costas de Moçambique há muito que havia um florescente comércio com o oriente indiano); o desapego entre dois mundos vem da incapacidade que, primeiro, o Estado colonial e, depois, o Estado pós-independência liderado pela FRELIMO tiveram de os integrar numa esfera nacional única, e essa é a tragédia moçambicana. Ou seja, não houve por parte dos governos da FRELIMO a capacidade de constituir um verdadeiro Estado em Moçambique, alargando-a às populações que já tinham sido profundamente marginalizadas no Estado colonial, isto é, todas as que não estavam no Sul.
Portanto, a questão que hoje se põe é a de saber se Armando Guebuza que se tornou no primeiro presidente não natural de Gaza (é natural de Murrupula, Província de Nampula e a sua ascensão surge como consequência da sua ligação o grupo militar) conseguirá ser o artífice da construção desse Estado nacional (embora os nomes que compõem o seu primeiro governo não pareçam à primeira vista indiciar grandes modificações ...).
E se não acredito como Paul Valery de que «a história justifica tudo quanto se disser», a verdade é que a história recente e passada de Moçambique ajuda a compreender muito do que hoje se passa no país e a previsível evolução do que se virá a passar.
A QUESTÃO DO ESTADO NACIONAL E A ELITE NO PODER
Vista numa perspectiva histórica, é aí que vamos encontrar as raízes dos profundos problemas que hoje assaltam a sociedade moçambicana, nomeadamente a falta de um desígnio nacional e a inexistência de uma elite que surja directamente da vida nacional: até aqui o que tem existido é uma elite ligada ao Sul, a Maputo. Podemos falar, aliás, de dois Moçambiques: em torno de Maputo, na província de Gaza, existe um sistema de integração social de onde surgiu o aparelho de Estado actual; o resto do país está largamente abandonado.
A elite que está no poder é a FRELIMO, e esta tem três grandes origens históricas: as elites tradicionais da Província de Gaza; um núcleo resultante das populações crioulas urbanas; e um pequeno núcleo da elite militar ligada aos Macondes, do norte. Neste conjunto que governa Moçambique, o grupo militar permanecerá sempre pequeno; e, quanto aos outros dois, há uma relação de forças que está a alterar-se, com a diminuição de força das elites crioulas. De tal maneira, que o que temos tido até hoje no poder em Maputo são pessoas cujo relacionamento histórico de longo prazo é com uma aristocracia do sudeste africano, aristocracia que vai encontrar a sua raiz histórica na invasão Zulu do sul de Moçambique nos princípios do século XIX e que dá origem ao Reino de Gaza. No meio do turbilhão da resistência ao poderio dos ingleses na região do Natal, há um princípe guerreiro chamado Shoshangana que parte da Zululândia e forma o reino de Gaza, um reino feudal que ia até ao Rio Save. Estamos no último quartel do século XIX e é nessa altura que Mouzinho de Albuquerque transporta a capital da Ilha de Moçambique e reconstitui o Estado colonial a partir da conquista de Gaza e da captura do Gungunhana que é bisneto de Shosshangana. O poder colonial português afirmou-se conquistando esse Reino, em que os antigos senhores feudais passam a ter um papel subalterno dentro do aparelho colonial.
Naturalmente, quando Moçambique assume a independência, como a capital estava na sua província, foi inevitável a apropriação do Estado colonial por eles - no Reino de Gaza, tinha-se constituído uma aristocracia, com identidade política própria e muitas ligações à África do Sul, que de reforçaram no período pós-independêmcia, e uma marca desse tipo de ligação aristocrática é o casamento dinástico entre Mandela e a viúva de Samora Machel, ligação entre um descendente de um princípe (cuja primeira mulher era uma Delamini, da linha real zulu ) e uma figura central na nova elite do sul de Moçambique; o próprio Joaquim Chissano é bisneto de um dos principais “indunas” (vassalo) do Gungunhana; o herdeiro directo do Gungunhana foi, durante muito tempo governador de Gaza, como representante da FRELIMO; os três presidentes da FRELIMO (Mondlane, Samora, Chissano) são todos naturais da província de Gaza.
Isto é o que se passa a Sul; já no Centro-Norte encontramos um país muito marcado respectivamente, com o interior do continente (conhecem-se as dificuldades da colonização portuguesa de penetração no interior de Moçambique por força da resistência oferecida pelos impérios ai existentes) e pelo Islão e pelas relações com o Índico (quando os navegadores portugueses chegaram às costas de Moçambique há muito que havia um florescente comércio com o oriente indiano); o desapego entre dois mundos vem da incapacidade que, primeiro, o Estado colonial e, depois, o Estado pós-independência liderado pela FRELIMO tiveram de os integrar numa esfera nacional única, e essa é a tragédia moçambicana. Ou seja, não houve por parte dos governos da FRELIMO a capacidade de constituir um verdadeiro Estado em Moçambique, alargando-a às populações que já tinham sido profundamente marginalizadas no Estado colonial, isto é, todas as que não estavam no Sul.
Portanto, a questão que hoje se põe é a de saber se Armando Guebuza que se tornou no primeiro presidente não natural de Gaza (é natural de Murrupula, Província de Nampula e a sua ascensão surge como consequência da sua ligação o grupo militar) conseguirá ser o artífice da construção desse Estado nacional (embora os nomes que compõem o seu primeiro governo não pareçam à primeira vista indiciar grandes modificações ...).
Comments:
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Armando Guebuza é natural de Murrupula, mas de ascendência de uma linhagem do sul de Moçambique, o mesmo que Mondlane, Samora, Chissano.
Nada mudou nesse aspecto.
O local de nascimento foi um acidente geográfico, apenas.
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Nada mudou nesse aspecto.
O local de nascimento foi um acidente geográfico, apenas.
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