Monday, March 07, 2005
MEMÓRIA DE MOÇAMBIQUE – ESCOLA GONÇALO DA SILVEIRA (Vila Pery)
Em 1955-56 iniciei os estudos, em Vila Pery, na escola Primária Gonçalo da Silveira – no edifício que viria mais tarde a ser a sede da primeira Câmara Municipal quando Vila Pery foi elevada a cidade (cujo 1.º Presidente de Câmara foi o meu primo Luciano Pereira, casado com a Maria Paula, hoje vivendo em Joanesbourg na África do Sul) e onde pontificava o Prof. Morgado (ao mesmo tempo um excelente professor, mas temível nos seus ataques de “fúria desmesurada e irracional” contra os alunos, principalmente nos dias a seguir a ter perdido à batota no salão de jogo do Sports Club).
Nessa, tive como companheiros “brancos” (entre muitos, recordo os irmãos Violante, o Carreiro, o Alfeu, o Carlos Lage, hoje um próspero empresário em Angola), “mestiços” (Amâncio, os irmãos Rebelo), “indianos” (Mussa, Jassu - o Dr. Hirgee distinto magistrado do M Público na Boa Hora, com o qual partilhei um longo percurso estudantil, primário, liceal e universitário na Faculdade de Direito de Lisboa) mas nenhum negro.
Um dos grandes males do colonialismo português em Moçambique foi o de ter impedido o acesso dos “negros” ao ensino oficial (para os poucos que a ele acediam faziam-no através das missões religiosas tanto católicas como protestantes, por ex., na Missão Suiça da então estudaram todos os principais dirigentes da FRELIMO, Mondlane, Machel, Chissano, Guebuza), situação corrigida a partir de finais da década de 60 do séc. passado, quando se tentou à pressa (tarde de mais) a massificação desse acesso, a ponto de existirem em Vila Pery à altura da independência já duas escolas primárias (numa delas, ensinava a minha cunhada Isabel Feijó) onde existiam turmas já maioritariamente constituídas por africanos negros. O outro era o completo absurdo dos programas oficiais ministrados em tudo idênticos aos da então Metrólope, sem qualquer referência à realidade de Moçambique, a ponto de ainda hoje me recordar que por ex. em geografia era obrigado a saber as linhas de caminho de ferro da Beira Baixa, Douro, Algarve, os nomes dos rios e seus afluentes como o Tejo, Douro, Guadiana, enquanto nada se ensinava sobre a geografia de Moçambique. (1)
Nessa, tive como companheiros “brancos” (entre muitos, recordo os irmãos Violante, o Carreiro, o Alfeu, o Carlos Lage, hoje um próspero empresário em Angola), “mestiços” (Amâncio, os irmãos Rebelo), “indianos” (Mussa, Jassu - o Dr. Hirgee distinto magistrado do M Público na Boa Hora, com o qual partilhei um longo percurso estudantil, primário, liceal e universitário na Faculdade de Direito de Lisboa) mas nenhum negro.
Um dos grandes males do colonialismo português em Moçambique foi o de ter impedido o acesso dos “negros” ao ensino oficial (para os poucos que a ele acediam faziam-no através das missões religiosas tanto católicas como protestantes, por ex., na Missão Suiça da então estudaram todos os principais dirigentes da FRELIMO, Mondlane, Machel, Chissano, Guebuza), situação corrigida a partir de finais da década de 60 do séc. passado, quando se tentou à pressa (tarde de mais) a massificação desse acesso, a ponto de existirem em Vila Pery à altura da independência já duas escolas primárias (numa delas, ensinava a minha cunhada Isabel Feijó) onde existiam turmas já maioritariamente constituídas por africanos negros. O outro era o completo absurdo dos programas oficiais ministrados em tudo idênticos aos da então Metrólope, sem qualquer referência à realidade de Moçambique, a ponto de ainda hoje me recordar que por ex. em geografia era obrigado a saber as linhas de caminho de ferro da Beira Baixa, Douro, Algarve, os nomes dos rios e seus afluentes como o Tejo, Douro, Guadiana, enquanto nada se ensinava sobre a geografia de Moçambique. (1)
O que é bem glosado num lindo poema de Rui Knopli (hei-de de voltar muitas vezes a este grande poeta da língua portuguesa, porque muitas das dúvidas acerca de ser moçambicano e/ou português que ressaltam da sua poesia, perpassam igualmente em diversas fases da minha vida .... )
HIDROGRAFIA
HIDROGRAFIA
São belos os nomes dos rios
na velha Europa.Sena, Danúbio, Reno são
palavras cheias de suaves inflexões,
lembrando em tardes de oiro fino,
frutos e folhas caindo, a tristeza
outoniça dos chorões.
O Guadalquivir carrega em si espadas
de rendilhada prata,
como o Genil ao sol-poente,
o sangue de Federico.
E quantas histórias de terror
contam as escuras águas do Reno ?
Quantas sagas de epopeia
não arrasta consigo a corrente
do Dniepre.
Quantos sonhos destroçados
navegam com detritos
à superfície do Sena ?
Belos como os rios são
os nomes dos rios na velha Europa.
Desvendada, sua beleza flui
sem mistérios.
Todo o mistério reside nos rios
da minha terra.
Toda a beleza secreta e virgem que resta
está nos rios da minha terra.
Toda a poesia oculta é a dos rios
da minha terra.
Os que, cansados, sabem todas
as histórias do Senae do Guadalquivir, do Reno
e do Volga
ignoram a poesia corográfica
dos rios da minha terra.
Vinde acordar
as grossas veias da água grande !
Vinde aprender
os nomes de Uanéteze, Mazimechopes,
Massintonto e Sábiè.
Vinde escutar a música latejante
das ignoradas veias que mergulham
no vasto, coleante corpo do Incomáti,
o nome melodioso dos rios
da minha terra,
a estranha beleza das suas histórias
e da suas gentes altivas sofrendo
e lutando nas margens do pão e da fome.
Vinde ouvir,
entender o ritmo gigante do Zambeze,
colosso sonolento da planura,
traiçoeiro no bote como o jacaré,
acordando da profundeza epidérmica do sono
para galgar os matoscomo cem mil búfalos estrondeantes
de verde espuma demoníaca
espalhando o imenso rosto líquido da morte.
Vede as margens barrentas, carnudas
do Púngoè, a tristeza doce do Umbelúzi,
à hora de anoitecer. Ouvi então o Lúrio,
cujo nome evoca o lírio europeu,
e que é lírico em seu manso murmúrio.
Ou o Rovuma acordando exóticas
lembranças de velhos, coloniais
navios de roda revolvendo águas pardacentas,
rolando memórias islâmicas de tráfico e escravatura.
Ah, ouvidos e olhos cansados de desolação
e de europas sem mistério,
provai a incógnita saborosa
deste fruto verde,
destes espaços frondosos ou abertos,
destes rios diferentes de nomes diferentes,
rios antigos de África nova,
correndo em seu ventre ubérrimo
e luxuriante.
Rios, seiva, sangue ebuliente,
veias, artérias vivificadas
dessa virgem morena e impaciente,
minha terra, nossa Mãe !
in Reino Submarino (1962)
(1) Ao contrário, o patrono da escola tinha ligações à região, pois Gonçalo da Silveira, era filho de D. Luís da Silveira, 1º Conde de Sortelha, e havia partido para a Índia em 1556 como missionário jesuíta. Dali, por ordem do Provincial partiu em 1560 para a África Oriental, chefiando uma missão que viria a ser a primeira a pisar tais terras com a finalidade de converter ao cristianismo os povos de Tonga e Monomotapa (o Império do Monomotapa seria toda uma região que englobaria a zona de Manica e se estenderia até Tete). Apesar de ter obtido sucessos iniciais na sua obra de cristianização, bem depressa se verificou a fragilidade do êxito. Isto não abalou a fé de Gonçalo da Silveira que partiu da cidade de Moçambique para o Império do Monomotapa em 18 de Setembro de 1560. Por alturas do Natal chegou à capital do referido Império Negro, onde foi bem recebido, tendo levado pouco tempo a converter o imperador Africano e a baptizá-lo com o nome de D. Sebastião. Porém, a influência muçulmana junto do imperador conseguiu convencê-lo de que o padre Gonçalo da Silveira era um perigoso feiticeiro, agente do Governador da Índia. A sua morte ocorreu em 15 de Março de 1561 tendo o seu corpo sido lançado no rio Mussenguese. Contudo, a sua morte não fez parar a acção missionária da Companhia de Jesus em terras africanas a partir da Província religiosa situada na Índia Portuguesa.
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Trabalho para um programa de televisão e estou a preparar um tema relacionado com portugueses que viveram a mocidade nas ex-colónias. Gostaria de contactá-lo. O meu email é dafnelorenamachado@gmail.com
Obrigada
Dafne Machado
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