Sunday, April 29, 2007
MOÇAMBIQUE - TERRA DE FEITIÇOS
Saturday, April 21, 2007
De ladrão a beato da Igreja
Corria o ano de 1998. Indicaram-me um homem caminhando na Rua José Sidumo em direcção à Av. 24 de Julho, não longe do centro ortopédico.
Homem quarentão, negro, de andar lento e cabisbaixo como se carregasse as mágoas do mundo.
Pelos vistos, homem muito conhecido no bairro. Perguntei quem era aquele homem com aer amargurado e logo surge o relato:
Que certa madrugada, no ano anterior, de 1997, o tal quarentão que passaremos a chamar de Armando arrombou uma moradia na Rua Sá de Miranda, perpendicular à Rua José Sidumo e paralela à Av. 24 de Julho, com o intuito de roubar. Depois de recolhido o que entendeu melhor ou pior, sentou-se à mesa da cozinha e comeu e bebeu. Os habitantes da casa dormiam a sono alto sem se darem conta da visita indesejável.
Antes de sair de casa como produto da sua «colheita», Armando defeca no chão da cozinha e na entrada principal da casa por onde entrara, deixando a porta da mesma aberta. Azar deste meliante; o chefe de família da casa assaltada é um matulão ex-comando do exército colonial português, também quarentão, e que nessa madrugada voltaria tarde a casa surpreendendo o Armando a sair com o espólio da noite.
Armando é dominado pelo ex-comando. Alertada a vizinhança em alvoroço, realiza-se um autêntico tribunal popular. Foi dada a opção ao Armando: «ou apanhas um enxerto de pancada ou comes a tua porcaria, os teus excrementos e limpas o chão com a língua! ...». Resultado, entre vómitos e (re)vómitos Armando cumpriu o castigo e foi parar às urgências do Hospital Central de Maputo.
Segundo relatos de algumas testemunhas oculares deste evento, Armando sofreria desde então dos intestinos e era um homem doente. O castigo serviria de lição para toda a vida.
Garantiram-me também que o Armando, regenerado e bom paroquiano, era frequentador assíduo das missas católicas da Sé Catedral da cidade de Maputo, antigo Hospital Militar, em 1984, do tempo dos militares coloniais Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Freire de Andrade, Caldas Xavier, Ayres de Ornelas, Carlos Galhardo, Eduardo Costa, Roque de Aguiar e do intelectual António Enes, entre outros.
Concluindo, diríamos que Armando foi vítima das instruções do feiticeiro que o madou defecar nas casas que assaltava para não ser descoberto em flagrante delito após a «tarefa» realizada.
João Craveirinha «Moçambique, Feitiços, Cobras e Lagartos - Crónicas Romanceadas» (Texto Editora, Outubro de 2001)