Sunday, January 28, 2007
NATALINO
Natalino (à dt.ª na foto) - o treinador do "dream team" da minha juventude, a equipa júnior do Sports Clube de Vila Pery (1966, MOçambique)
Friday, January 26, 2007
O "XICUEMBO" DO TUA
Apetece-me hoje regressar à juventude, jugo que todos regressamos a esse período de vez em quando, mas quando ela foi feliz como a minha o foi, essa necessidade torna-se mais necessária, uma forma que encontro para sobreviver neste ambiente cada vez mais poluído sob todos os aspectos.
Em Moçambique, na minha juventude, a prática do desporto, de todo e qualquer desporto (jogávamos futebol de salão e de onze, basquetebol, voleibol, hóquei em patins, praticávamos natação, etc.) era uma parte do nosso dia a dia e sendo complementar da nossa vida de estudante, a verdade é que nos dava muito mais prazer estar ao ar livre a fazer desporto, do que enfiados em casa a estudar, a preparar as provas escritas ou as terríveis orais, que os professores do liceu tinham por hábito fazer.
Pessoalmente lembro-me de que pratiquei todas essas modalidades, não tendo atingido performances dignas de relevo em nenhuma delas, mas dedicava-me com prazer a essa prática, da qual me recordo com saudade de alguns episódios curiosos, como aquele que vou contar (já lão vão 41 anos !!!).
Aos 18 anos, atingi o auge da minha carreira de desportista, ao conquistar o lugar de defesa da equipa júnior do clube da terra da minha naturalidade, o Sports Clube de Vila Pery ( equipamento à Sporting, salvo os calções que eram brancos ..., mais precisamente à Celtic) que num certo domingo se deslocou à Beira para defrontar o leader invicto do Campeonato júnior da Associação Distrital de Futebol de Manica e Sofala, o Sporting da Beira, em cujo equipa pontificava o Manaca que se viria a transferir para o Sporting de Portugal no final dessa época.
Uma derrota em perspectiva, já que o Sporting da Beira era a única equipa que tinha ganho em nossa casa, e eis que quando nos encontrávamos na cabina a equipar, o Tua, um dos jogadores de raça negra do “dream team” da minha juventude, nos supreendeu a todos, ao afirmar que iríamos ganhar o jogo, pois tinha feito um xicuembo(*) para o efeito. Desconfiados, mas se calhar convencidos de que esse seria o único modo de ganhar ao “papão Sporting”, lá nos deixamos submeter aos feitiços do Tua, que consistiu em termos todos de lavar a cara com uma mistela de cor branca, que ainda hoje estou para saber de que era feita, e em entrarmos dentro do campo com a mão cheia de “um misto creio que de farinha e sal” que espalharíamos junto de cada uma das áreas das balizas, os avançados e médios para marcarem golos e os defesas e o guarda-redes para os evitarem. Cumprindo religiosamente o determinado, e alguns de nós, embora jogando pela equipa da nossa terra, estudávamos no liceu da Beira ( Beira e Vila Pery, actual Chimoio, distam 200Kms e eram os dois principais centros populacionais da então Província de Manica e Sofala no centro de Moçambique) e tínhamos, portanto, vários colegas e amigos a assistir ao jogo, pelo que o “xicuembo” foi efectuado da maneira mais discreta que nos foi possível, a fim de não sermos descobertos e alvos de “gozação” no dia seguinte no liceu.
Resultado final 7-1 a favor do Sporting da Beira, com 5 golos do Manaca e um banho de futebol de todo o tamanho!!!
Na cabina, no final do jogo, desatamos todos a rir à gargalhada e a “xingar” o Tua, do porquê do feitiço não ter surtido efeito, que foi de resto o único a manter um ar sério e reservado. Hoje, a esta distância, penso que, como qualquer bom africano, estava plenamente convencido daquilo que nos tinha proposto, e que apenas procurava encontrar explicações para o falhanço do “feitiço”.
Aonde quero chegar ao relatar este episódio da minha curta, mas grandiosa carreira desportiva ?
Esta equipa era constituída toda ela por naturais de Moçambique, uns brancos (o Toju, hoje o Tomás Metello Presidente do Conselho de Administração da “Air Madeira”, o Alexandre Violante, diector bancário em Ovar, o Pacheco creio que vereador da Cãmara de Lagoa), outros de origem asiática (o “Jassu” para não termos que pronunciar o complicado nome do distinto delegado de Procurado da República Portuguesa em que se tornou o Dr. Jasavanthilal Hirgee, o Nadat), os de raça negra (o já famoso Tua, mas também o Ricardo), e que para ficar completa, não poderia deixar de ter igualmente os mulatos (à lembrança vem-me o Ramalho que era o guarda-redes), sem esquecer que o próprio treinador era um negro (o Natalino) que sendo o craque da equipa sénior do Clube, para além de servir como modelo do jogador a imitar, não deixávamos de respeitar como se fosse o nosso pai. Uns regressaram a Portugal após a independência de Moçambique, outros por lá continuam certamente, enfim, outros porventura já não farão parte deste mundo.
Não tendo a minha abordagem qualquer intenção saudosista e neocolonial, o que quero acentuar é que numa vila do interior do Moçambique colonial de 1966, esta equipa multiétnica era um espaço de miscegenação e de multiculturalidade de todas as raças nela existentes, e a meu ver de algum modo representativa de que a presença portuguesa em África criou uma realidade histórico-antropológica peculiar nas antigas colónias, diferenciando-a dos demais colonialismos, por mais que muitas vezes alguns intelectuais queiram fazer crer que todos (inglês, belga, francês, alemão) foram iguais.
Realmente, essa diferença era desde logo evidente na então Rodesia do Sul (actual Zimbabwe) ainda sob administração colonial britânica, e onde não podíamos deslocar a a Umtali (hoje Mutare), distante apenas 70 Kms da minha terra de nascimento, para jogar futebol com a selecção júnior da Manicaland, derivado de termos “negros” na nossa equipa, pelo que estes desafios se realizavam todos em Vila Pery, onde do outro lado nos aparecia uma equipa constituída exclusivamente por 11 brancos, altos e louros, sinal evidente da existência dum “apartheid” não declarado e duma clara divisão das comunidades branca e negra, sem qualquer espaço de comunicação entre elas, a não ser no trabalho.
Em Moçambique, na minha juventude, a prática do desporto, de todo e qualquer desporto (jogávamos futebol de salão e de onze, basquetebol, voleibol, hóquei em patins, praticávamos natação, etc.) era uma parte do nosso dia a dia e sendo complementar da nossa vida de estudante, a verdade é que nos dava muito mais prazer estar ao ar livre a fazer desporto, do que enfiados em casa a estudar, a preparar as provas escritas ou as terríveis orais, que os professores do liceu tinham por hábito fazer.
Pessoalmente lembro-me de que pratiquei todas essas modalidades, não tendo atingido performances dignas de relevo em nenhuma delas, mas dedicava-me com prazer a essa prática, da qual me recordo com saudade de alguns episódios curiosos, como aquele que vou contar (já lão vão 41 anos !!!).
Aos 18 anos, atingi o auge da minha carreira de desportista, ao conquistar o lugar de defesa da equipa júnior do clube da terra da minha naturalidade, o Sports Clube de Vila Pery ( equipamento à Sporting, salvo os calções que eram brancos ..., mais precisamente à Celtic) que num certo domingo se deslocou à Beira para defrontar o leader invicto do Campeonato júnior da Associação Distrital de Futebol de Manica e Sofala, o Sporting da Beira, em cujo equipa pontificava o Manaca que se viria a transferir para o Sporting de Portugal no final dessa época.
Uma derrota em perspectiva, já que o Sporting da Beira era a única equipa que tinha ganho em nossa casa, e eis que quando nos encontrávamos na cabina a equipar, o Tua, um dos jogadores de raça negra do “dream team” da minha juventude, nos supreendeu a todos, ao afirmar que iríamos ganhar o jogo, pois tinha feito um xicuembo(*) para o efeito. Desconfiados, mas se calhar convencidos de que esse seria o único modo de ganhar ao “papão Sporting”, lá nos deixamos submeter aos feitiços do Tua, que consistiu em termos todos de lavar a cara com uma mistela de cor branca, que ainda hoje estou para saber de que era feita, e em entrarmos dentro do campo com a mão cheia de “um misto creio que de farinha e sal” que espalharíamos junto de cada uma das áreas das balizas, os avançados e médios para marcarem golos e os defesas e o guarda-redes para os evitarem. Cumprindo religiosamente o determinado, e alguns de nós, embora jogando pela equipa da nossa terra, estudávamos no liceu da Beira ( Beira e Vila Pery, actual Chimoio, distam 200Kms e eram os dois principais centros populacionais da então Província de Manica e Sofala no centro de Moçambique) e tínhamos, portanto, vários colegas e amigos a assistir ao jogo, pelo que o “xicuembo” foi efectuado da maneira mais discreta que nos foi possível, a fim de não sermos descobertos e alvos de “gozação” no dia seguinte no liceu.
Resultado final 7-1 a favor do Sporting da Beira, com 5 golos do Manaca e um banho de futebol de todo o tamanho!!!
Na cabina, no final do jogo, desatamos todos a rir à gargalhada e a “xingar” o Tua, do porquê do feitiço não ter surtido efeito, que foi de resto o único a manter um ar sério e reservado. Hoje, a esta distância, penso que, como qualquer bom africano, estava plenamente convencido daquilo que nos tinha proposto, e que apenas procurava encontrar explicações para o falhanço do “feitiço”.
Aonde quero chegar ao relatar este episódio da minha curta, mas grandiosa carreira desportiva ?
Esta equipa era constituída toda ela por naturais de Moçambique, uns brancos (o Toju, hoje o Tomás Metello Presidente do Conselho de Administração da “Air Madeira”, o Alexandre Violante, diector bancário em Ovar, o Pacheco creio que vereador da Cãmara de Lagoa), outros de origem asiática (o “Jassu” para não termos que pronunciar o complicado nome do distinto delegado de Procurado da República Portuguesa em que se tornou o Dr. Jasavanthilal Hirgee, o Nadat), os de raça negra (o já famoso Tua, mas também o Ricardo), e que para ficar completa, não poderia deixar de ter igualmente os mulatos (à lembrança vem-me o Ramalho que era o guarda-redes), sem esquecer que o próprio treinador era um negro (o Natalino) que sendo o craque da equipa sénior do Clube, para além de servir como modelo do jogador a imitar, não deixávamos de respeitar como se fosse o nosso pai. Uns regressaram a Portugal após a independência de Moçambique, outros por lá continuam certamente, enfim, outros porventura já não farão parte deste mundo.
Não tendo a minha abordagem qualquer intenção saudosista e neocolonial, o que quero acentuar é que numa vila do interior do Moçambique colonial de 1966, esta equipa multiétnica era um espaço de miscegenação e de multiculturalidade de todas as raças nela existentes, e a meu ver de algum modo representativa de que a presença portuguesa em África criou uma realidade histórico-antropológica peculiar nas antigas colónias, diferenciando-a dos demais colonialismos, por mais que muitas vezes alguns intelectuais queiram fazer crer que todos (inglês, belga, francês, alemão) foram iguais.
Realmente, essa diferença era desde logo evidente na então Rodesia do Sul (actual Zimbabwe) ainda sob administração colonial britânica, e onde não podíamos deslocar a a Umtali (hoje Mutare), distante apenas 70 Kms da minha terra de nascimento, para jogar futebol com a selecção júnior da Manicaland, derivado de termos “negros” na nossa equipa, pelo que estes desafios se realizavam todos em Vila Pery, onde do outro lado nos aparecia uma equipa constituída exclusivamente por 11 brancos, altos e louros, sinal evidente da existência dum “apartheid” não declarado e duma clara divisão das comunidades branca e negra, sem qualquer espaço de comunicação entre elas, a não ser no trabalho.
Já agora o recordar do "dream team" da minha juventude ( em 4x2x4):
Ramalho (gr.); Aguiar, Toju, Alexandre, Antunes; Jassu, Nadat, Tua; Viegas, Ricardo, Pacheco.
Treinador: Natalino
Treinador Adjunto: Machado
Dirigente: Raul Fraga
(*) "xicuembo" em língua chissena (língua nativa do centro de Moçambique) quer dizer "feitiço".