Friday, December 15, 2006
NOTAS SOBRE UMA VIAGEM À CHINA
Eu e a minha mulher, a Teresa, decidimos passar as nossas férias deste Verão, viajando durante duas semanas pela China, integrados num programa designado por “China Milenar” visitando sucessivamente Pequim, Xian, Xangai, Guilin, Cantão, Hong Kong e Macau.
Por princípio, não viajamos através de programas de agências de viagens, limitando-nos a marcar aviões e hotéis, idealizando e percorrendo depois livremente os percursos locais, mas desta vez em função de advertências prévias de amigos nossos que já conheciam a China e relacionadas esencialmente com as dificuldades de comunicação, decidimos não arriscar e viajar integrados no dito “pacote”, solemente intitulado de “China Milenar” como é timbre do marketing promocional das agências de viagens. No fundo, não nos arrependemos, quer porque a viagem está bem idealizada, dando uma visão geral da antiga (imperial) e moderna China, podendo quando muito contestar-se a duração da mesma – em função das cidades e locais percorridos, com 4 voos internos de mais de 2 horas cada, é viagem que atiraria mais para as 3 do que para as 2 semanas de duração, em que no final se calhar estamos “fisicamente” mais cansados do que no início – quer porque fomos sempre acompanhados por um excelente guia, o Luís Ferreira, “free-lancer”, mas um distinto profissional e bastante conhecedor da China, quer porque o grupo exclusivamente constituído por 34 portugueses, embora heterógeneo em termos de idades (impressionou-nos o número de jovens casais em excursão) se revelou sempre extremamente solidário – quer, enfim, porque confirmámos na prática, as tais dificuldades de comunicação em inglês, nomedadamente em restaurantes ou em tâxis, neste caso, supridas através do expediente da escrita em língua chinesa, nos cartões dos hotéis, pelos respectivos empregados, dos locais para onde nos queríamos deslocar.
Como o nosso espírito de viajantes sempre foi o de nos tentarmos integrar no ambiente sócio-económico e cultural das pessoas e dos lugares para onde viajamos, dificil de realizar nesta viagem, foi a “Mónica” (não se trata, naturalmente, do seu nome chinês, mas todos os guias locais além de se expressarem em espanhol, utilizam por facilidade de comunicação um nome “estrangeiro” que não tem, a maior parte das vezes, qualquer ligação com o seu verdadeiro em chinês), guia local em Cantão, licenciada em Direito e em língua espanhola, a única interlocutora de quem consegui obter respostas às dúvidas com que me vinha debatendo desde o início desta pequena incursão pela China, e em função das quais me pude aperceber, ainda que superficialmente, da realidade actual desta grande e emergente potência mundial.
Dá, desde logo, para perceber que a China passa por enormes mudanças económicas - são sobretudo estas que supreendem o olhar estrangeiro - mas também sociais, culuturais, sociais e políticas, sob a capa das quais persistem, no entanto, traços de uma China Milenar - que já foi ou imaginou ser o “centro do Mundo” - e que hoje, mais do que nunca, prossegue como objectivo de sentido único. Aqui, não pude deixar de recordar a passagem por Xangai, a outrora “Grande Prostituta ou velha Paris do Oriente”, ao deparar do outro lado do rio, frente ao mítico “Peace Hotel” onde nos hospedámos (local onde há 30 anos em pleno regime comunista decorria toda (e única) acção nocturna da cidade e onde a velha banda de jazz continua a tocar todas as noites, embora para cada vez menos gente, pois turistas e chineses fogem para os discos-bares do célebre Bund, o passeio à beira-mar, agitando-se freneticamente ao som de DJ trazidos de Hong Kong e da Europa) com a nova “Pudong” com a sua linha do horizonte recheada de arranha-céus e néons, em ambiente misto “Flash Gordon” e “Blade Runner”, imitação não de uma nova, mas sim de duas ou três Manhattan, símbolo da transformação de Xangai na “Nova Iorque do futuro” e da China como maior potência mundial. Os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e a Feira Mundial de Xangai em 2010 são, sem dúvida, as montras com que a China se pretende mostrar ao Mundo nessa qualidade de próxima potência mundial dominante.
Em geral, todos os observadores apontam para que a China se torne por volta de 2050, na maior economia mundial (só para ter uma ideia de comparação, o PBI da França será então o equivalente, ao da província chinesa de Cantão!), mas estou em crer que tal acontecerá muito antes de meados deste século, convicção apenas baseada nas respostas que a Mónica foi dando às minhas perguntas acerca da sociedade chinesa, ao referir-me números, realidades e crenças como «as de que os trabalhadores chineses não têm contrato de trabalho, que embora o horário de trabalho seja de 8 horas diárias, o normal é a jornada de trabalho alargar-se até às 16 horas sem qualquer remuneração extra, operários com ordenados da ordem dos 80 € mensais (150 € mensais nas zonas económicas especiais, como Zhuhai, o coração industrial da China, onde os operários trabalham, comem e dormem nas fábricas), uma simples semana de férias anual por ocasião do “novo ano lunar chinês”, a liberalização total de despedimento sem qualquer indemnização, 80% da população chinesa sem qualquer direito a segurança social, com a inexistência de pensões de reforma ou de protecção na saúde (apenas os 20% dos funcionários do Estado têm algum nível de protecção social), enfim com o paradigma do conceito de trabalho chinês que “enquanto a mãos trabalham, a boca está fechada e o cinto apertado”» pelo que não é dificil de perceber que num mercado de trabalho sem quaisquer direitos e com um tal nível de “dumping social” a China tem condições únicas para competir na economia globalizada sem que alguém lhe consiga fazer frente.
Além do mais, quando a China com uma população de 1.300 milhões habitantes, dos quais 85% (1.100 milhões) vivem no campo ao nível da agricultura de subsistência, e cuja passagem para o sector industrial mesmo com salários de 80/150 € mensais significa um expressivo acréscimo nível de vida para os que a ele têm acesso (a expansão económica chinesa das últimas duas décadas representou o maior processo de redução de pobreza alguma vez observado na História!) dispõe de uma tão imensa reserva de mão-de-obra, em que os potenciais recursos humanos para o mercado de trabalho podem continuar a ser indefinidamente multiplicados, de modo a manter a tendência da alta remuneração do “capital” e da baixa remuneração do factor “trabalho”.
Quem visita hoje a China, mesmo não tendo acompanhado a formidável transformação económica que o país sofreu nestes últimos 20 anos, percebe o ambiente de consumismo desenfreado e o optimismo reinante na sociedade chinesa no seu todo.
Noutro plano, impressiona também a não existência de sinais (a não ser as fotografias de Mao na Praça Tiananmen ou nas notas de Yuan) de que a China é (foi?) uma república comunista.
Na China actual, desde que não se ponha em causa o papel dirigente do Partido (Comunista?) tudo é permitido, do comportamento social - escolha sexual, estilo de vestuário, comportamento público - ao exercício da actividade económica como o atesta o facto de hoje mais de 50% do PIB chinês pertencer a empresas privadas – no final da década, os privados dominarão já mais de 75% da economia – em linha com as revisões constitucionais de 1999 (que passou a considerar o sector privado como “essencial” da economia chinesa) e de 2004 (que consolidou o estatuto do sector privado, consagrando a propriedade privada como “inviolável”), criando-se, assim, uma sociedade única no mundo, com uma economia capitalista e uma sociedade liberal, mesmo com todas as limitações políticas de um regime didatorial de partido único.
Em quase todas as cidades que visitamos, pode encontrar-se de tudo (as grandes marcas de luxo estão presentes em todo o lado, em Xangai na Nanjing, uma rua pedonal de mais de 6 Kms, existem mais de 600 lojas internacionais e grandes armazéns chineses que podem receber num só dia 1 milhão de consumidores) e fazer de tudo à noite (as ruas estão cheias de bares e discotecas, de anúncios a massagens e a prostituição de luxo está omnipresente nos lobbies dos hóteis), as grandes e largas avenidas estão em acentuado estado de transformação com a construção de quarteirões inteiros de novos arranha-céus de vidros espelhados, hotéis luxuosos, e centros finaceiros, pejadas de carros, antes privilégio exclusivo dos governantes, hoje ao alcance da crescente classe média chinesa – abrangendo já cerca de 50 milhões de chineses - que libertos das garras do comunismo se mostram loucos para, dotados do mais profundo espírito capitalista, garantir o seu quinhão no futuro mapa do planeta (calcula-se que só em Pequim circulem 2.700 millhões de automóveis, entre os quais os mais modernos “topos de gama” da Mercedes, Audi, Porsche e de outras grandes marcas mundiais) transformando as cidades em permanentes engarrafamentos e no caos infernal das suas congéneres ocidentais.
As consequências de uma sociedade deste tipo parecem ser cada vez mais evidentes: a par dos altos níveis de performance da economia chinesa, da criação de riqueza e do acréscimo de nível de vida de muitos milhões chineses, surgem sintomas preocupantes de altos níveis de corrupção endémica, de um alargamento crescente do fosso entre os mais ricos e os mais pobres (entre 2001 e 2003 os rendimentos dos 10% mais pobres diminuiram 2,4% enquanto os rendimentos dos 10% mais ricos cresceram mais de 16% e mais de 300.000 chineses ascenderam à condição de milionários) que só não se traduzem em maior agitação social em virtude do cerceamento dos mais elementares direitos do homem.
A impressão final da viagem é de que embora plenamente aberta do ponto de vista económico ao exterior, e do intenso fervilhar social, nomeadamente entre a juventude, resultante das mudanças radicais operadas no país, a sociedade chinesa permanece presa ao passado e, em muitos aspectos (nacionalismo chinês, persistência das tradições religiosas "dadoistas" e "confucionistas", sociedade eminentemente "patriacal", o agudo espírito especulativo com o jogo, aplicações em bolsa ) continua a ser um mundo à parte e incompreensível para nós europeus, só assim se compreendendo como o regime, mesmo deixando de ser comunista (o comunismo é coisa de que ninguém fala, nem mesmo o poder) continua a controlar os acontecimentos de forma mais ou menos paternalista.
A China parece feliz com o seu rumo, falta saber se essa felicidade continuará a acompanhar a sociedade chinesa, no caminho sem retorno que a tornará, ainda na primeira metade deste século, na maior potência mundial.
Por princípio, não viajamos através de programas de agências de viagens, limitando-nos a marcar aviões e hotéis, idealizando e percorrendo depois livremente os percursos locais, mas desta vez em função de advertências prévias de amigos nossos que já conheciam a China e relacionadas esencialmente com as dificuldades de comunicação, decidimos não arriscar e viajar integrados no dito “pacote”, solemente intitulado de “China Milenar” como é timbre do marketing promocional das agências de viagens. No fundo, não nos arrependemos, quer porque a viagem está bem idealizada, dando uma visão geral da antiga (imperial) e moderna China, podendo quando muito contestar-se a duração da mesma – em função das cidades e locais percorridos, com 4 voos internos de mais de 2 horas cada, é viagem que atiraria mais para as 3 do que para as 2 semanas de duração, em que no final se calhar estamos “fisicamente” mais cansados do que no início – quer porque fomos sempre acompanhados por um excelente guia, o Luís Ferreira, “free-lancer”, mas um distinto profissional e bastante conhecedor da China, quer porque o grupo exclusivamente constituído por 34 portugueses, embora heterógeneo em termos de idades (impressionou-nos o número de jovens casais em excursão) se revelou sempre extremamente solidário – quer, enfim, porque confirmámos na prática, as tais dificuldades de comunicação em inglês, nomedadamente em restaurantes ou em tâxis, neste caso, supridas através do expediente da escrita em língua chinesa, nos cartões dos hotéis, pelos respectivos empregados, dos locais para onde nos queríamos deslocar.
Como o nosso espírito de viajantes sempre foi o de nos tentarmos integrar no ambiente sócio-económico e cultural das pessoas e dos lugares para onde viajamos, dificil de realizar nesta viagem, foi a “Mónica” (não se trata, naturalmente, do seu nome chinês, mas todos os guias locais além de se expressarem em espanhol, utilizam por facilidade de comunicação um nome “estrangeiro” que não tem, a maior parte das vezes, qualquer ligação com o seu verdadeiro em chinês), guia local em Cantão, licenciada em Direito e em língua espanhola, a única interlocutora de quem consegui obter respostas às dúvidas com que me vinha debatendo desde o início desta pequena incursão pela China, e em função das quais me pude aperceber, ainda que superficialmente, da realidade actual desta grande e emergente potência mundial.
Dá, desde logo, para perceber que a China passa por enormes mudanças económicas - são sobretudo estas que supreendem o olhar estrangeiro - mas também sociais, culuturais, sociais e políticas, sob a capa das quais persistem, no entanto, traços de uma China Milenar - que já foi ou imaginou ser o “centro do Mundo” - e que hoje, mais do que nunca, prossegue como objectivo de sentido único. Aqui, não pude deixar de recordar a passagem por Xangai, a outrora “Grande Prostituta ou velha Paris do Oriente”, ao deparar do outro lado do rio, frente ao mítico “Peace Hotel” onde nos hospedámos (local onde há 30 anos em pleno regime comunista decorria toda (e única) acção nocturna da cidade e onde a velha banda de jazz continua a tocar todas as noites, embora para cada vez menos gente, pois turistas e chineses fogem para os discos-bares do célebre Bund, o passeio à beira-mar, agitando-se freneticamente ao som de DJ trazidos de Hong Kong e da Europa) com a nova “Pudong” com a sua linha do horizonte recheada de arranha-céus e néons, em ambiente misto “Flash Gordon” e “Blade Runner”, imitação não de uma nova, mas sim de duas ou três Manhattan, símbolo da transformação de Xangai na “Nova Iorque do futuro” e da China como maior potência mundial. Os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e a Feira Mundial de Xangai em 2010 são, sem dúvida, as montras com que a China se pretende mostrar ao Mundo nessa qualidade de próxima potência mundial dominante.
Em geral, todos os observadores apontam para que a China se torne por volta de 2050, na maior economia mundial (só para ter uma ideia de comparação, o PBI da França será então o equivalente, ao da província chinesa de Cantão!), mas estou em crer que tal acontecerá muito antes de meados deste século, convicção apenas baseada nas respostas que a Mónica foi dando às minhas perguntas acerca da sociedade chinesa, ao referir-me números, realidades e crenças como «as de que os trabalhadores chineses não têm contrato de trabalho, que embora o horário de trabalho seja de 8 horas diárias, o normal é a jornada de trabalho alargar-se até às 16 horas sem qualquer remuneração extra, operários com ordenados da ordem dos 80 € mensais (150 € mensais nas zonas económicas especiais, como Zhuhai, o coração industrial da China, onde os operários trabalham, comem e dormem nas fábricas), uma simples semana de férias anual por ocasião do “novo ano lunar chinês”, a liberalização total de despedimento sem qualquer indemnização, 80% da população chinesa sem qualquer direito a segurança social, com a inexistência de pensões de reforma ou de protecção na saúde (apenas os 20% dos funcionários do Estado têm algum nível de protecção social), enfim com o paradigma do conceito de trabalho chinês que “enquanto a mãos trabalham, a boca está fechada e o cinto apertado”» pelo que não é dificil de perceber que num mercado de trabalho sem quaisquer direitos e com um tal nível de “dumping social” a China tem condições únicas para competir na economia globalizada sem que alguém lhe consiga fazer frente.
Além do mais, quando a China com uma população de 1.300 milhões habitantes, dos quais 85% (1.100 milhões) vivem no campo ao nível da agricultura de subsistência, e cuja passagem para o sector industrial mesmo com salários de 80/150 € mensais significa um expressivo acréscimo nível de vida para os que a ele têm acesso (a expansão económica chinesa das últimas duas décadas representou o maior processo de redução de pobreza alguma vez observado na História!) dispõe de uma tão imensa reserva de mão-de-obra, em que os potenciais recursos humanos para o mercado de trabalho podem continuar a ser indefinidamente multiplicados, de modo a manter a tendência da alta remuneração do “capital” e da baixa remuneração do factor “trabalho”.
Quem visita hoje a China, mesmo não tendo acompanhado a formidável transformação económica que o país sofreu nestes últimos 20 anos, percebe o ambiente de consumismo desenfreado e o optimismo reinante na sociedade chinesa no seu todo.
Noutro plano, impressiona também a não existência de sinais (a não ser as fotografias de Mao na Praça Tiananmen ou nas notas de Yuan) de que a China é (foi?) uma república comunista.
Na China actual, desde que não se ponha em causa o papel dirigente do Partido (Comunista?) tudo é permitido, do comportamento social - escolha sexual, estilo de vestuário, comportamento público - ao exercício da actividade económica como o atesta o facto de hoje mais de 50% do PIB chinês pertencer a empresas privadas – no final da década, os privados dominarão já mais de 75% da economia – em linha com as revisões constitucionais de 1999 (que passou a considerar o sector privado como “essencial” da economia chinesa) e de 2004 (que consolidou o estatuto do sector privado, consagrando a propriedade privada como “inviolável”), criando-se, assim, uma sociedade única no mundo, com uma economia capitalista e uma sociedade liberal, mesmo com todas as limitações políticas de um regime didatorial de partido único.
Em quase todas as cidades que visitamos, pode encontrar-se de tudo (as grandes marcas de luxo estão presentes em todo o lado, em Xangai na Nanjing, uma rua pedonal de mais de 6 Kms, existem mais de 600 lojas internacionais e grandes armazéns chineses que podem receber num só dia 1 milhão de consumidores) e fazer de tudo à noite (as ruas estão cheias de bares e discotecas, de anúncios a massagens e a prostituição de luxo está omnipresente nos lobbies dos hóteis), as grandes e largas avenidas estão em acentuado estado de transformação com a construção de quarteirões inteiros de novos arranha-céus de vidros espelhados, hotéis luxuosos, e centros finaceiros, pejadas de carros, antes privilégio exclusivo dos governantes, hoje ao alcance da crescente classe média chinesa – abrangendo já cerca de 50 milhões de chineses - que libertos das garras do comunismo se mostram loucos para, dotados do mais profundo espírito capitalista, garantir o seu quinhão no futuro mapa do planeta (calcula-se que só em Pequim circulem 2.700 millhões de automóveis, entre os quais os mais modernos “topos de gama” da Mercedes, Audi, Porsche e de outras grandes marcas mundiais) transformando as cidades em permanentes engarrafamentos e no caos infernal das suas congéneres ocidentais.
As consequências de uma sociedade deste tipo parecem ser cada vez mais evidentes: a par dos altos níveis de performance da economia chinesa, da criação de riqueza e do acréscimo de nível de vida de muitos milhões chineses, surgem sintomas preocupantes de altos níveis de corrupção endémica, de um alargamento crescente do fosso entre os mais ricos e os mais pobres (entre 2001 e 2003 os rendimentos dos 10% mais pobres diminuiram 2,4% enquanto os rendimentos dos 10% mais ricos cresceram mais de 16% e mais de 300.000 chineses ascenderam à condição de milionários) que só não se traduzem em maior agitação social em virtude do cerceamento dos mais elementares direitos do homem.
A impressão final da viagem é de que embora plenamente aberta do ponto de vista económico ao exterior, e do intenso fervilhar social, nomeadamente entre a juventude, resultante das mudanças radicais operadas no país, a sociedade chinesa permanece presa ao passado e, em muitos aspectos (nacionalismo chinês, persistência das tradições religiosas "dadoistas" e "confucionistas", sociedade eminentemente "patriacal", o agudo espírito especulativo com o jogo, aplicações em bolsa ) continua a ser um mundo à parte e incompreensível para nós europeus, só assim se compreendendo como o regime, mesmo deixando de ser comunista (o comunismo é coisa de que ninguém fala, nem mesmo o poder) continua a controlar os acontecimentos de forma mais ou menos paternalista.
A China parece feliz com o seu rumo, falta saber se essa felicidade continuará a acompanhar a sociedade chinesa, no caminho sem retorno que a tornará, ainda na primeira metade deste século, na maior potência mundial.
Nesta viagem, um último olhar sobre Hong Kong (a visão nocturna do cimo do Monte Vitória olhando a baía e Kwloon diante das magníficos e gigantescas torres de prédios junto às montanhas, seja da colossal altura do Central Plaza, do único e maravilhoso design do Banco da China ou da complexa engenharia do Banco de Hong Kong, para citar apenas alguns exemplos, é como estar num sonho colorido e dimensional, e as colossais dimensões do porto e do novo e deslumbrante aeroporto, idealizado pelo arquiteto Norman Foster, tiram o fôlego de qualquer um) e Macau (também aqui nos cruzamos diante da preocupação chinesa de potência dominante com o desejo de ultrapassar “Las Vegas” como a capital mundial do jogo, existindo já hoje 27 casinos, entre eles o maior do mundo o Sand’s) onde a faceta mais impressionante ou chocante é que tirando as indicações nos boletins de embarque/desembarque do “jet foil” e dos nomes das ruas serem em português, de algumas construções históricas portuguesas ou do novo ex-libris macaense dos “pastéis de nata” à venda em todas as pastelarias, nada mais parece indicar que os portugueses por aqui andaram durante muitos séculos.