Sunday, January 15, 2006

mAGAZINEartes

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"mAGAZINEartes" - a referência do António Manuel Venda

Na rubrica “Os Dias do Blog” que assina habitualmente na “mAGAZINE artes” (n.º 36 de Janeiro de 2006) o António Manuel Venda – um dos melhores escritores portugueses da nova geração, galardoado já com diversos prémios literários e cuja obra mais recente “O Amor por entre os Dedos” acaba de se publicada – faz uma referência a este blog, razão porque com a devida vénia, aqui o transcrevo:


"A Primeira Frase
É uma mania minha, a de dar muita importância à primeira frase de um romance. Inevitavelmente isso leva-me a julgamentos apressados de que algumas vezes me arrependo, mas outras até acerto. O último arrependimento, se não estou em erro, foi com o magnífico «Flores Negras para Michael Roddick», de Daniel Vásquez Sallés, jovem escritor catalão filho de Manuel Vásquez Montalbán. Quando numa livraria me recomendaram que espreitasse o livro, li o início e não dei nada por ele; até me lembrei de um comentário de Fernando Venâncio sobre o início do livro de estreia, há muitos, mas mesmo muitos anos, do jovem escritor José Saramago: «Depois de um início assim, não há livro que se aguente.» Bom, o que é certo é que o romance de Sallés se aguenta e muito bem, é do melhor que se publicou em Portugal em 2005, e a minha embirração com a primeira frase, na qual um antigo agente dos tempos da Guerra Fria está na cozinha do seu restaurante de Barcelona a tirar do forno uma lasanha de sardinhas (arghhh...) e de repente entra a sua filha adoptiva, essa embirração não se justificava. Mas adiante...
Talvez a mania me venha de inícios brilhantes; obviamente tenho de referir Gabriel Garcia Márquez («Cem Anos de Solidão» e «Crónica de Uma Morte Anunciada»), ou Saramago muitos, mesmo muitos anos depois da estreia («Memorial do Convento»). Mas acima de todos, Cela, Camilo José Cela e o início de «Mazurca para Dois Mortos», tão marcante que não resisto a repeti-lo, de cor, correndo o risco de errar alguma palavra: «Chove mansamente e sem parar, chove sem vontade mas com uma infinita paciência, como toda a vida, chove sobre a terra, que é da mesma cor do que o céu, entre verde suave e cinzento suave, e a linha do monte já há muito se apagou.» Também a primeira frase de «África Minha», de Karen Blixen, tornada ainda mais marcante na abertura do filme a que o livro deu origem, filme que me levou a que nem a considerasse em português, mas aquela em inglês que se ouve ao abrir o filme: «Once I had a farm in Africa». Descobri-a, a de Karen Blixen, num ‘blog’ de alguém que nasceu em África, que lá viveu uma vida, em Moçambique, e que agora conta uma viagem de regresso. O ‘blog’ chama-se «Choachibata» e a descrição da viagem começa assim...
«Quase 10 anos depois de ter deixado Moçambique (1996) aqui estou de regresso, acompanhado pelo meu irmão (...) Um propósito muito particular, o do reencontro com os lugares da nossa infância e juventude (ex-VilaPery, actual Chimoio), a visita à ‘farme’ do Chibata (construída a partir de uma terra virgem pelos nossos falecidos pais, a sua única e verdadeira jóia, que nos permitiu poder repetir a primeira frase do ‘Out of Africa’ de Karen Blixen, ‘Once I had a farm in Africa’) (...)» O resto, cada um dos dias de viagem, pode ser acompanhado no ‘blog’.
Deixo mais uma referência, a que o autor diz a propósito da referida Chimoio (a sua Vila Pery, fundada por João Pery de Lind), antes de começar o relato da viagem. Escreve assim ... «Quanto ao cosmopolitismo de Vila Pery, bem além dos portugueses (e dos brancos de origem europeia já aí nascidos) e dos negros moçambicanos, havia indianos da Índia e do Paquistão (Mussa, Kantilhal, Duda, Nadat e tantos outros que dominavam o pequeno comércio local), chineses, gregos (Poriazis, Petridis, os homens das padarias, como em toda a África), alemães (Boy, Schilduaher, Radak, a maior parte deles aí radicados fugidos da barbárie hitleriana da Segunda Grande Guerra), suiços (Link, grande amigo do meu pai, e que no regresso à Suiça, em 1975, viu ressarcidos pelo governo suiço todos os bens da ‘farme’ que possuía em Vila Pery, ao contrário dos portugueses que a maior parte deles faleceram sem que essa ‘justiça’ lhes tivesse sido feita pelo governo português).»
Deixo esta referência pelo exemplo do que o governo suiço fez com o senhor Link. Pudéssemos nós gabar-nos do mesmo... ”

António Venda, o meu obrigado pela referência ao meu “blog”, que mais não é do que uma revisitação pelo meu passado africano.

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